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sábado, 12 de abril de 2014

A importância do contexto...

Foto by Niro
A compreensão dessa imagem requer alguns dados de contexto, como, por exemplo, saber quem é Nícolas Behr, conhecer algo sobre Brasília, entender algumas transformações que ocorreram na avenida comercial W3 (sabendo o que significa/ou a W3 no imaginário brasiliense).

Tais informações contextuais são fundamentais para a compreensão da informação acima, porém insuficientes para entender o documento. Sem o documento estaríamos falando somente da poesia-mosaico de Behr. O documento é o registro fotográfico feito por Niraldo Nascimento, o Niro, que assim o contextualizou em depoimento no Facebook de sua pesquisa de doutorado:
O Ver e o Olhar na W3
Sempre fui apaixonado pela fotografia. Na faculdade, chegava uma hora antes para folhear livros e revistas. Nunca imaginei que todas aquelas imagens foram assimiladas e reorganizadas pelo meu inconsciente. Eu começava a aprender a olhar, mais do que ver. Formas, cores, cheiros, superfícies e tantas outras sensações foram classificadas em uma ordem desconhecida em meu inconsciente.
Revendo algumas fotos que fiz, observo signos não de um, mas um mosaico dessa autopoiese recompilada. Depois de minha viagem 5 minutos ao continente velho (durou 30 dias mas, foi uma viagem cartão-postal) percebi que minha imagética era linear. Fui fazer um curso, não de fotografia, mas de "olhar" com Fayga Ostrower. A técnica fotográfica linear eu dominei sozinho.
Ainda assim, meu racionalismo de então bloqueava o fluxo tentava escoar do meu inconsciente. Na maioria das minhas fotos está presente o VER e não o OLHAR. Então apareceu Ana K. e me apresentou a W3. O que deveria ser um corredor cultural em Brasília, ainda hoje é um corredor de oficinas, peças e acessórios para automóveis.
Ana K. me alertou sobre totens com mosaicos montados na W3. Eu os tinha visto várias vezes, mas nunca olhado. Prometi a ela um percurso fotográfico pela avenida, não cumprido. Artistas plásticos, como Ana K. ou minha amiga Andrea Rosenfeld parecem que têm o OLHAR no DNA. O tempo passou e o Governo do Distrito Federal (GDF) derrubou todos os totens. A princípio fiquei arrasado, não podia fazer mais nada.
Pouco tempo depois, vi que o GDF tinha razão. Os totens, com poesias em mosaico, atrapalhavam a mobilidade das pessoas, especialmente deficientes. Os poetas também compreenderam isso e refizeram e fizeram novos mosaicos no chão e nas paredes. Aguçado pelo desafio de Ana K., finalmente olhei e fotografei alguns dos mosaicos. A foto foi escrita em "brasilianês" e, possivelmente, não compreenderão. São poucas Suzanas na W3.
  Niraldo Nascimento, 30/03/2014

A importância do contexto é fundamental para entender o documento: não se trata do poema-moisaico de Behr e nem da foto dele feita por Niro. É tudo isso e mais um pouco. Esse "pouco", relatado no depoimento do fotógrafo é que dá significado pleno ao documento, que é, nesse caso, a reprodução fotográfica. Sem esse "pouco" perde-se completamente o significado global. 

Outro nível de contextualização necessária está ligado à compreensão dos signos locais de Brasília, mas isso vem em segundo lugar, para permitir entender a imagem, apenas (apenas?) ...

terça-feira, 23 de julho de 2013

sábado, 18 de maio de 2013

Pequeno balanço das V Jornadas Fotodoc



Na semana passada tive a oportunidade de participar das V Jornadas de Fotografía y Documentación (Fotodoc), evento organizado conjuntamente com as Jornadas do Seminario Español de Recuperación de Información (SERI). O nome do evento foi extraído de um poema da pesquisadora e poeta Alicia Arias Coello: “Vertidos urgentes” (ver blog do evento aqui). 

Dois aspectos mais marcantes saltam á vista do visitante estrangeiro. O primeiro é a confluência dos eventos, obtendo (como diria Claúdio Duque) maior sinergia. Tenho assistido, ultimamente, no Brasil, uma proliferação de pequenos eventos. Cada vez mais restrito às particularidades dos pequenos grupos de trabalho e pesquisa. Quando, eventualmente os grupos brasileiros conseguem estar juntos em algo maior costuma ocorrer a separação física das atividades de cada núcleo, com raríssimos momentos, formais, de troca de ideias; como se diz no Brasil:“cada um no seu quadrado”. O segundo aspecto interessante é a “tipologia” jornada. O termo está em desuso no Brasil, onde se prefere denominações menos modestas e, supostamente, mais atrativas como Workshop, Congresso e outras tantas e, de preferência, com um qualificativo “internacional” em algum lugar do título (acabei de ver, por casualidade, a chamada para “congresso internacional”, em uma cidade o interior do país que exige que para a inscrição de trabalhos, via sistema, seja imprescindível indicar o CPF; ou seja, internacional apenas para quem registro na Recita Federal...). As jornadas daqui foram precisamente o que a palavra significa: um dia de atividades. 

A mesa de abertura, com a presença do decano da faculdade (equivaleria a um diretor) foi extremamente rápida, direta e sem longos discursos, tão frequentes na universidade brasileira. Não se chamou reitor, vice-reitor e nem ninguém das altas esferas da administração universitária. Tiveram a palavra o decano e depois cada um dos coordenadores dos eventos simultâneos: Juan Miguel Sanchez Vigil pela FOTODOC e Juan Antonio Comeche pelo SERI. O principal objetivo declarado foi o de proporcionar uma miscelânea de estudos e abordagens relacionados aos temas explicitados nas denominações dos dois eventos. A vontade de ampliar as discussões, ao invés de concentrar em tópicos cada vez mais específicos, costuma ser muito útil para que haja oxigenação das ideias, para que novos debates possam aflorar e, sobretudo, para que não sejam sempre as mesmas pessoas a apresentar trabalhos. 

Tive o privilégio de ser o primeiro a apresentar, exageradamente anunciado por Sánchez Vigil como conferência magistral, em uma mesa conjunta com meu colega Juan Antonio Comeche, lider do grupo de pesquisa sobre gestão de recuperação de informação digital na web (GRIWEB). Eu falei a respeito da finalização do projeto DigifotoWeb, com destaque à algumas questões contundentes relacionadas às imagens (ver página sobre minha apresentação aqui). Comeche analisou algumas das possibilidades e tentativas atuais relacionadas à recuperação de informações imagéticas. A divisão de metodologias para tal tarefa em função da priorização de enfoques intrínsecos (cor, textura, formas e/ou relações espaciais) ou extrínsecos (autor, título etc.) me fez pensar mais seriamente na validade de uma diplomática imagética, menos voltada ao contexto documental. 

Não sei se a proximidade de abordagem entre o trabalho de Juan Antonio e o meu foi algo compartilhado pela audiência, mas o fato é que a segunda mesa pareceu-me bem mais adequada ao conceito de miscelânea proposto. A primeira apresentação esteve a cargo de Raquel de León, do Museu Ferroviário que buscou dar um extenso e detalhado panorama das coleções ali custodiadas. Infelizmente o tempo foi curto nos deixando com aquele gostinho de quero-mais. Felizmente, parte das informações está disponível na página da fototeca do museu. Ao olhar com mais cuidado esse ambiente virtual é possível perceber uma interessante separação das coleções, do material de arquivo e do material de natureza biblioteconômica. De imediato pensei na tese de doutoramento que Niraldo José Nascimento, em seu afã, queria realizar sozinho o que o museu ferroviário de Madrid fez com uma equipe profissional. 

A segunda fala deste bloco esteve a cargo do advogado Alberto Cabello, que conseguiu abordar o sempre delicado tema dos direitos de imagem (os direitos das pessoas fotografadas) fugindo do óbvio, com exemplos muito contundentes e corajosos, envolvendo, sem temor, ícones contemporâneos da fotografia espanhola. A questão por ele colocada não se resume ao plano legal; indo mais além, com peso às questões éticas e morais. Por exemplo, começou, em tom crítico, denunciando a tradição de fotógrafos reconhecidos que se aproveitam de situações extremas em países do terceiro mundo, sem a anuência das pessoas fotografadas (e/ou sem o real conhecimento do uso, inclusive comercial, que será feito das imagens) para ganharem muito dinheiro com a comercialização das imagens. A primeira coisa que me veio à mente foi que no Brasil não é preciso ir longe para entender esse tipo de problema... 

A apresentação seguinte da segunda mesa versou sobre um projeto internacional relacionado a uma, até recentemente desconhecida, coleção que congrega fotografias fundamentais para a história visual de Portugal, Brasil, México e outros países iberoamericanos. A apresentação esteve a cargo do erudito coordenador, Wifredo Rincón García que já houvera anteriormente realizado uma exposição sobre parte daquela coleção (ver folder explicativo aqui). Sua apresentação também serviu para convidar pesquisadores interessados, sobretudo os internacionais, a integrarem uma comitiva que fará parte de uma reunião conjunta com representantes diplomáticos dos países afetos à coleção. 
A última apresentação da manhã (que em Espanha vai até as 14:00hs) esteve relacionada ao trabalho de edição gráfica na grande imprensa. Em um formato similar a um talk show (guardadas as devidas proporções e sem nenhum demérito) o professor de documentação da Universidad Complutense de Madrid, Federico Ayala apresentou e mediou um bate-papo muito agradável com o fotografo e editor gráfico Matias Nieto König. Ambos trabalham para um jornal de altíssima tiragem, o ABC, que apresenta um projeto gráfico diferenciado e único em relação aos demais jornais diários daqui. Matias Nieto expôs vários aspectos relacionados à opção do ABC em trabalhar com o conceito de capa na imprensa diária, buscando atrair ao público para uma imagem bastante chamativa, que ocupa pelo menos metade da página, ao invés de já adiantar reportagens e notícias, como é mais usual. Na falta de algum dos exemplos apresentados por Matias Nieto, encontrei um post bastante explicativo, que analisa uma capa polêmica do ABC (ver post aqui). O projeto, na verdade, troca informação textual (mais precisa, porém mais exigente quanto ao tempo de leitura, exigindo proximidade física e atenção do possível leitor) por informação visual (de assimilação mais rápida, sem requerer tanta proximidade). O sempre instigante debate sobre a articulação comunicativa entre imagem e texto, teve, nessa apresentação, um ótimo espaço para reflexão. 

Na parte da tarde tivemos, logo ao reinício, uma apresentação bastante interessante de Antonio Cabello, professor da Complutense, que deveria ser sobre os gêneros fotográficos e acabou sendo, na minha compreensão, sobre possibilidades de classificação e/ou organização de imagens por conteúdo. O mais relevante é que a apresentação, explicitamente, optou por não mostrar nenhuma solução (ou sugestão de solução). Os exemplos mostrados iam cada vez mais sugerindo que, à medida de cada necessidade, deve-se criar esquemas de classificação que funcionem em cada caso. A exposição começou e acabou com uma estante vazia, nos instigando a refletir e propor modelos, com cuidado para não cair em armadilhas universalizantes, lembrando que, em última instância, tais esquemas refletem, principalmente, as necessidades práticas de quem os elaborou. 

Na sequência, a professora Alicia Arias Coello, nos brindou com sua face artística ao apresentar uma pequena introdução de sua experiência poética nas redes sociais. Além da beleza que foi ter um espaço dedicado à emoção em uma jornada acadêmica, ela permitiu melhor entender, na prática, as relações existentes entre a criação intelectual e os atuais meios de difusão, compartilhamento, recriação, que contam, hoje, com diversos elementos daquilo que Claudio Duque estuda no campo denominado multimodalidade, com a articulação de texto, design, imagem (estática e em movimento) e sons. O ápice da recriação ficou a cargo de referencias à poeta argentina Alfonsina Storni, cuja música em homenagem à sua morte (Alfosina y el mar) é bem conhecida na voz de Mercedes Sosa, que já fora objeto de recriação artística de Sánchez Vigil (muitos acadêmicos-artistas presentes). Deixo aqui a dica para ouvir um versão mais “rústica” da música, que está em cd caseiro de uma cantora de rua em Santiago de Chile (ouça aqui Alfosina y el mar na gravação de Claudia Álvarez). O encerramento deu-se com um rearranjo de alguns versos de Sánchez Vigil feito por Alicia Arias com “Sonata ao luar” ao fundo. 

A penúltima apresentação coube à professora Maria Oliveira Zaldua, que expôs resultados de sua recente pesquisa, derivada de seu doutoramento, sobre a produção de teses relacionadas à fotografia na Espanha, em qualquer área do conhecimento. Os dados são bastante interessantes a apontam para um crescimento do tema nas áreas relacionadas à Ciência da Informação. Acredito que a ampliação desse tipo de pesquisa para o Brasil poderia redundar em um ótimo projeto de doutorado, sobretudo para mapear a ocorrência de trabalhos em áreas não diretamente ligadas à fotografias, tais como história e arquivos. 

Para finalizar Francisco José Valentín, aluno de doutorado em fase final, fez um excelente painel sobre os metadados, com destaque aos mais usuais no universo da fotografia, com alguns exemplos muito interessantes de aplicação. Um dos exemplos mostrava como pode haver diferenças significativas entre a adoção de um modelo de descritivo e a utilização correta e eficiente. Muitas vezes instituições indicam adotar esta ou aquela diretriz para a descrição e recuperação da informação, mas, na prática, a aplicação é mal feita e/ou incompleta, fazendo com que os objetivos não sejam plenamente atingidos. O exemplo dado por Francisco mostrava uma coleção de fotografias, supostamente, descritas com base no MOREQ, mas que apresentava quase todos os campos em branco e/ou com informações demasiadamente genéricas. 

Após a rápida e objetiva mesa de encerramento, restou a satisfação de ter podido fazer parte de um evento interessante (cujo formato objetivo e eficiente poderia ser inspirador no Brasil) e, principalmente, ter tido contato com outras dimensões relativas aos documentos fotográficos que, usualmente, por acabar dedicando-me muito ao foco especializado do que pesquiso, acabo por não conhecer mais profundamente. 

Espera-se que brevemente, no blog do evento, as apresentações todas estejam disponíveis, ao lado de nossas fotos, tiradas por Maria Oliveira. É questão de aguardar e conferir... 

Links mencionados: 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

V JORNADAS FOTODOC


Las V Jornadas Fotodoc "Vertidos urgentes" se celebrarán el próximo martes 7 de mayo, en horario de 9.30 a 18h, en la Facultad de Ciencias de la Documentación de la Universidad Complutense de Madrid.  Entrada libre hasta completar el aforo. Se expedirá certificado de asistencia

Pulse aquí para hacer download del prospecto de divulgación en alta calidad (2.13MB).

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Semelhanças de estilo e organização da informação

 
              foto 1: copiada de Library of Congress;                          foto 2: copiada de Digifotoweb

Ao olhar atentamente para as imagens acima é possível notar alguma equivalência na composição: um elemento no primeiro plano que tem a orla do mar e o horizonte como pano de fundo, criando uma certa ambiguidade quanto ao tema principal que pode ser tanto o mar como a canoa ou o cão. Águas calmas e céu enevoado com luminosidade difusa também são elementos comuns em ambas imagens. 

Não é necessário ser especialista em história da fotografia - e nem ter acesso aos documentos físicos originais - para compreender que as semelhanças param por aí e que há uma distância de cerca de 100 anos entre os dois registros fotográficos. O hábito de retratar orlas marinhas, no entanto, é anterior à própria invenção da fotografia e cria um estilo pictórico que sobrevive ainda hoje. Panofsky, entre outros estudiosos trabalharam com muito mais profundidade essa questão e ela não está no foco da análise atual. 

A organização de coleções fotográficas, como é tradicional - e até mesmo esperado - buscará dar a ambas as fotos o mesmo tratamento informacional; isto é: criar pontos de acesso à informação por autoria (fotógrafo), data, assunto, técnica e coleção. No primeiro caso, como se trata de instituição bem estruturada e com recursos, além dos mencionados pontos de acesso a informação está sistematizada em uma ficha no formato MARC. O segundo caso, com recursos adequados, também poderia ter o mesmo tratamento. 

Somente quem tiver uma perspectiva arquivística saberá que essas outras equivalências também param por aí e que o conhecimento detalhado e preciso de todas as informações mencionadas acima é insuficiente para a compreensão de tais registros como resultantes de atividades de um titular e preservados como provas desse mesmo titular. 

No primeiro caso, a ficha catalográfica da Library of Congress é incapaz de indicar os objetivos que levaram Arnold Genthe a fotografar aquela cena e tampouco os motivos que o fizeram querer guardar documento(s) resultante(s) de tal ato. Assumimos que sempre se tratou de uma tomada estética e que sua preservação relaciona-se à preservação de um objeto de arte. 

No segundo caso há, como conheço pessoalmente o fotógrafo pode-se imaginar que tais informações estão mais bem sistematizadas; ledo engano: apenas posso supor que Niraldo Nascimento produziu a imagem em uma atividade de lazer e a preservou (do ponto de vista arquivístico) como registro de um passeio a Marataízes, mas não posso afirmar isso com certeza e tampouco sei se é plausível entender que o documento original seja realmente arquivístico.

A diferença fundamental não está no conteúdo, no histórico e nem no tratamento dado ao documento original. O exemplo em questão traz ainda outra particularidade, que é a reciclagem de uma mesma informação, produzindo outro documento. A foto 2, nessa acepção, não deve ser entendida como uma foto da coleção/arquivo de Niraldo Nascimento, porém como parte da informação do próprio Digifotoweb, posto que ela é integrante de um texto publicado neste blog (e agora é integrante de dois textos). Essa perspectiva muda absolutamente tudo: não se trata mais da foto de Nascimento, o documento a ser organizado e descrito é o post. Arquivisticamente ele é parte do projeto Digifotoweb e está relacionado à função de promoção de esforços para consolidação de redes de pesquisa relacionadas aos acervos fotográficos. A autoria da informação imagética e os direitos quanto à imagem permanecem inalienáveis com  Niraldo Nascimento, mas o post, ainda que escrito também, pelo mesmo autor da fotografia, é produto do Digifotoweb. Ele é também, sob a ótica de quem o escreveu, ao mesmo tempo, produção intelectual e registros dessa mesma produção (pode até ser elencado no Lattes). 

Esse post atual, que traz a reprodução das fotos de Genthe e de Nascimento, mesmo sem ter os direitos autorais delas, deve ser entendido como resultado do projeto Digifotoweb, não sendo arquivisticamente adequado desmembrar partes de um documento (o post) em função dos elementos imagéticos constituintes.

Fica ainda repassada a dica do Prof. Murilo Bastos, que impulsionou essa reflexão: a Library of Congress mantém disponível a maior parte da coleção fotográfica de Arnold Genthe. São cerca de 16.000 imagens, de um total de 20.000, sendo que muitas delas podem ser baixadas gratuitamente: http://www.loc.gov/pictures/
collection/agc

terça-feira, 27 de março de 2012

Identificação de conteúdos das imagens

The Cliff of the Two-Dimensional World by Babak Anasori, Michael Naguib, Yury Gogotsi, and Michel W. Barsoum
Copiado de Smithsonian.com
Olhe com atenção para a imagem acima e tente adivinhar o local de onde a imagem foi registrada. Trata-se de uma fotografia eletrônica, analógica que, porém não representa uma paisagem do Grand Canyon ou nenhuma outra formação rochosa passível de escaladas ou simples admiração turística. O autor da imagem anota que a imagem remete à lateral de uma montanha em Utah, nos Estados Unidos. Como meu imaginário de alpinismo nunca foi além de filmes e algumas jornadas em regiões mais vegetalmente densas no Brasil, não posso deixar de "comprar" a ideia. 

A imagem, no entanto, foi obtida por microscopia eletrônica aplicada a finas camadas de componentes de base de titânio. Cada "fatia" de "rocha" representa uma camada de apenas cinco átomos de espessura. Seus autores a incluíram no concurso mundial de imagens científicas da Revista National Science Foundation e de engenharia e ganharam o prêmio "Escolha do Público".

O episódio, além de nos alertar quanto às, sempre, imprecisas identificações de conteúdo, quando feitas por pessoas sem familiaridade com as ações geradoras das imagens abre interessante flanco para a discussão dos limites da compreensão dos documentos com equivalentes ao conteúdo manifestado. A imagem em pauta é a mesma (talvez com significativas variações de resolução) em pelo menos 7 contextos distintos:
  1. como registro experimental no laboratório dos autores, nesse caso sem nenhum finalidade estética;
  2. como cópia de tal registro, inscrita como documento original no concurso de imagens, nesse caso sem nenhuma finalidade científica experimental;
  3. como possível candidata à premiação ao ser difundida pela revista científica aos seus leitores e demais votantes;
  4. como registro de imagem premiada nos arquivos da revista promotora do concurso
  5. como registro de premiação recebida pelos elaboradores da imagem
  6. como imagem a ser comercializada para agências de notícias mundiais ao longo do mundo
  7. como cópia de tudo isso na presente postagem
Em todos esses casos o conteúdo (grosso modo) é o mesmo, porém os contextos documentais são completamente distintos e geraram documentos únicos, do ponto de vista arquivístico, que demandarão tratamentos diferenciados do ponto de vista da classificação e da descrição contextual. 

Longe de representar uma excepcionalidade o exemplo acima é bastante corriqueiro nos arquivos de administrações com serviço centralizado de registro, armazenamento e divulgação fotográficas, como é o caso de assessorias de imprensa e secretarias de comunicação. Em diversos posts de pesquisa da equipe GPAF em Brasília, sobretudo relacionados ao CEDOC/UnB e ao Arquivo Público do Distrito Federal, pode-se notar como a organização, supostamente arquivística, erroneamente mescla documentos e funções distintas como se fossem únicos, relacionando-os apenas ao fotógrafo (como se ele fora o titular arquivístico) e ao conteúdo imagético produzido. 

Do mesmo modo que elencamos, em uma breve reflexão, 7 contextos arquivísticos distintos para uma mesma imagem, a correta identificação e contextualização de fotos nas instituições mencionadas deveria fazer exercício similar e buscar compreender melhor os reais trâmites administrativos da produção institucional de documentos fotográficos.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Contextualização Arquivística de Documentos Fotográficos

A imagem acima, de autoria de Benedito Duarte, integra o acervo do Arquivo de Negativos da Secretaria de Cultura de São Paulo (SAN). Uma visão conteúdista da imagem buscaria identificá-la junto ao seu fotógrafo e à cena retratada. O problema é que esse tipo de abordagem geralmente acaba por desprezar (não por intenção, porém por consequência) os dados contextuais de geração arquivística; ou seja, a mando de quem tal foto foi produzida e para quais finalidades administrativas? Além disso é vital entender os motivos pelos quais o documento foi preservado, isto é para o atendimento de quais  funções probatórias.


Tais pontos são a chave para uma melhor solução do desafio anterior, que será mais detidamente abordado no próximo post e estão presentes em uma situação real analisada em texto publicado na revista Alexandrí@;  Revista de Ciências de la Información de la Facultad de Letras y Ciencias Humanas de la Pontificia Universidad Católica del Perú (ISBNe 1991-1653). 

O artigo aborda a conceituação de documentos fotográficos de arquivo, os quais costumam ter seu sentido administrativo original adulterado quando são constituídas coleções de imagens não assumidas como tais. O ponto de partida é a situação concreta, ocorrida no SAN no final do século XX. A conclusão apresenta uma proposta, sob a ótica da Arquivologia, para que as características administrativas dos documentos fotográficos de arquivos possam se fazer presentes.

Acesse aqui a versão on-line do texto (demora um pouco para carregar). Se preferir baixe o artigo em PDF aqui.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Fotografar para ocultar?

Imagens copiadas de Chocolá Design

Olhe atentamente para as imagens acima e diga o que elas têm em comum? Se você localizou o Homem Invisível, acertou; parabéns! já pode se candidatar para analisar imagens de camuflagem junto às Forças Armadas. Se ainda não viu ninguém, clique nas fotos para vê-las em tamanho maior e tente localizar Wally, quer dizer Liu Bolin. Na imagem do supermercado é mais fácil, porém custei a encontrá-lo na foto do trator. 

O efeito visual incrível só é obtido após uma árdua preparação do modelo, literalmente pintado de acordo com o fundo da cena, nos  mínimos detalhes. A respiração do modelo também influencia e as fotos divulgadas provavelmente representam uma escolha de um incontável conjunto de takes e testes. O ângulo e iluminação para a tomada da imagem também são essenciais para que a ilusão funcione. A perspectiva, que jamais nos dará a profundidade de uma cena, apenas sua simulação (por convenção, familiaridade e iconicidade) também colabora bastante. 

Em uma cena real, ao vivo, em 3D, poderíamos ser momentaneamente iludidos apenas. Um simples movimento de nosso corpo, de nossa cabeça, que nos fizesse mudar o foco da visão, imediatamente destruiria a "magia" da cena. Ser mágico de show deve ser mais complicado do que homem invisível de fotos; daí a necessidade que o primeiro tem de buscar artifícios para "congelar" a atenção do público. No segundo caso, o esforço está em manter-se congelado junto com todo o ambiente no momento do click.

A brincadeira nos coloca importantes questões do ponto de vista do tratamento com a informação fotográfica, na medida em que não podemos acreditar que sempre iremos conseguir identificar todos os elementos de uma imagem fotográfica. Por vezes eles poderão estar ocultos, intencionalmente (como nos exemplos acima), acidentalmente (e podermos nunca nos dar conta disso), tecnicamente (como a ausência de pessoas em grandes cidades em fotos início do século XX), ou até mesmo historicamente (elementos que não são imediatamente identificáveis pela nossa atual cultura visual, mas que poderiam sê-los no passado). 

No caso dos arquivos, se o contexto arquivístico de criação arquivística não for considerado como elemento qualificador do documento o risco de perda de organicidade é muito grande e pode comprometer irremediavelmente sua qualidade de documento de arquivo. Não se trata de cair da falácia positivista da "objetividade" Vs. "subjetividade", porém de tentar entender o documento dentro do complexo ambiente no qual se originou (e sua compreensão vai muito mais além do registro fotográfico, englobando a cultura, a técnica, as pessoas, os equipamentos, a história etc.) naquilo que é a parcela mais invariável de tal complexidade.

A questão que se coloca, então, é como tratar arquivisticamente documentos imagéticos que nos ocultam informações visuais fundamentais. A resposta é simples, tratando-os como documentos de arquivo, isto é: compreendendo antes suas informações e vínculos contextuais. No exemplo deste post a organização de fotos que têm por função principal camuflar o modelo apresentarão uma solução bastante distinta da organização que seria dada a fotos sobre máquinas de construção civil e comércio varejista.

Recentemente Joan Boadas proferiu palestra sobre patrimônio fotográfico e indicou a necessidade de uma compreensão mais lata e ampla do conceito de patrimônio, que não pode ser restrito às imagens. Isabel Wschebor agregou comentário sobre a importância da contexto arquivístico como elemento mais invariável para direcionar o delicado processo sistematização de significado informacional aos documentos fotográficos de arquivo. 
  • Algumas diretrizes básicas que nortearam a abordagem sobre patrimônio na palestra de Joan Boadas podem ser vistas aqui
  • A mencionada palestra pode ser vista na íntegra aqui (é o vídeo com 2h:34min:45seg).
  • Breves informações sobre Joan Boadas podem ser obtidas aqui
  • Breves informações sobre Isabel Wschebor podem ser obtidas aqui

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Quem sou? À que motivos estou aqui e qual será o meu fim?

Fonte: http://olharsecular.blogspot.com/2011/02/quem-sou-eu.html
Imagens/fotografias na internet sem informação de conteúdo, de contexto administrativo ou de origem deslocadas no tempo e espaço.

Na internet há uma grande quantidade de imagens e/ou fotografias disponibilizada ao público, no entanto o que podemos observar, é que estas imagens passam a ser de uso geral, como não constam as informações de conteúdo, de contexto administrativo ou de origem, podendo ser descritas, contextualizadas e re-contextualizadas de acordo com interesse de cada usuário.  Esta é uma visão de acordo com autores sobre o entendimento da imagem pictória/fotografia (BAXANDALL,1991;  GOMBRICHI, 2007,2008; KOSSOY, 2009a, 2009b, 2007; PANOFSKY, 1995, 2001).

O que vemos, é uma série de documentos imagéticos sem descrição, de acordo com Lopez (2011)[1], “o documento imagético sem descrição, será somente considerado fotografia”. Porém, o usuário na tentativa de fazer uma descrição vai estruturá-la pelo  seu ponto de vista de conteúdo sem uma análise crítica do contexto administrativo. Assim, cada uma das descrições criadas (feitas) vai trazer a tona uma série de informações, estas dependendo de quem estará fazendo a descrição e essas informações vão acabar sendo influenciada pela bagagem cultural e do conhecimento do descritor em relação à imagem/fotografia. Hoje, com a disponibilidade dos arquivos de imagens e fotografias na rede, podemos observar que os sistemas descritivos são fraco, inclusive para própria busca de uma imagem/fotografia, o que vemos é sempre uma imagem sem o contexto do conteúdo e sem o contexto que motivou a própria imagem/fotografia. Isso se justifica por serem imagens disponibilizadas sem vínculos institucionais, pois de acordo com Parinet (apud LOPEZ, 2000, p. 173) o documento imagético, sem dúvida, está sujeito a uma autonomia maior em ralação ao seu contexto de produção do que seus limites textuais. Essa autonomia, é  basicamente resultado  da falta de dados contextuais potenciais e de outras características não administrativas, como a influência do fotógrafo, do equipamento, do valor estético conforme posíção de Kossoy (2009a, 2009b.2007).

Fonte: http://toforatodentro.blogspot.com/2010/04/quem-sou-eu.html
Então, o que poderíamos dizer é que na internet temos “bancos de imagens/fotografias” no qual poderá ser descrita á nível de conteúdo ou de contexto administrativo conforme o interesse, do uso e da re-utilização da imagem. Desta forma, a imagem/fotografia poderá ser utilizada para outra finalidade diferente da finalidade de origem, transformando-se em outra informação diferentemente da informação de sua origem e fazendo parte de outro contexto conforme o interesse de quem estará fazendo uso de mesma. Nas duas imagens utilizadas neste post, poderão ser acessadas as fontes e visualizar uma reflexão sobre o tema de forma ampla, do "eu como ser" e do "eu fazendo parte de um contexto documental" e assim fazendo uma comparação com a "fotografia ou imagens" na internet deslocadas no tempo e no espaço. Imagem/fotografia, afinal quem sou eu? Antes, um quadro podendo ser uma paisagem ou um retrato pintado a mão, hoje uma fotografia no papel ou numa moldura, ainda dados (bits ou bytes) de uma imagem digital, com que descrição, a que contexto pertenço e a que motivos foram ou são os da minha existência em que tempo e que espaço? Então minha vida e meu fim a quem pertence? Assim, estas questões são levantadas em virtude desse vasto conteúdo imagético na rede. 

[1] Aula do dia 08 de Julho de 2011 no CEDOC-UNB da Disciplina Acervos Fotográficos do Prof. André Porto Ancona Lopez.

 Referências:
BAXANDALL, Michael. O OLHAR RENASCENTE: Pintura e a experiência social na Itália da Recnascença. 1 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
GOMBRICH, E. H. ARTE E ILUSÃO: Um estudo da psicologia da representação pictórica. Trad. Raul de Sá Barbosa, 4 ed. São Paulo:  WMF Martins Fontes, 2007.
__________, HISTÓRIA DA ARTE. Trad. Álvaro Cabral. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
KOSSOY, Boris. FOTOGRAFIA  HISTÓRIA, 3ed. rev. amp.São Paulo: Ateliê Editorial, 2009a._______, REALIDADE E FICÇÕES NA TRAMA FOTOGRÁFICA, 4 ed. rev. São Paulo,: Ateliê Editorial, 2009b._______,  OS TEMPOS DA FOTOGRAFIA. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.LOPEZ, André Porto Ancona. AS RAZÕES E OS SENTIDOS.  São Paulo: USP, 2000. Tese de Doutorado em História Sociais, Faculade de Filosófia, Letras e Ciências Humanas da USP, 2000.

terça-feira, 5 de julho de 2011

A fotografia no arquivo imagético: Nem tudo é o que parece ser...

Fonte: Imagem cedida pelo CEDOC-UNB
Para uma imagem fotográfica se tornar um documento de arquivo, é preciso deslocar o nosso olhar para além do que se vê, ou seja, deve-se olhar o que está por trás do que se vê. É preciso conduzir o deslocamento para  o valor informativo baseado no seu conteúdo em uma análise do percurso de produção da imagem, investigando a atuação dos envolvidos na criação do documento fotográfico. Este enfoque tem um alinhamento na visão de Lopez (2000) e Lacerda (2008) que consideram  o documento fotográfico  numa perspectiva orgânica.

Tais autores usam a diplomática como um método de análise documental na fotografia que ajuda a investigar a relação da imagem com o seu contexto funcional de criação. De acordo com eles, a análise permite problematizar as fotografias para além de sua dimensão factual e de conteúdo, descolando assim o olhar para a sua materialidade como documento (traço, vestígio, reflexo de uma ação determinada, de documentar para um propósito num tempo e num contexto específico).

Desta forma, podemos entender de acordo com Lacerda (2008, p. 122) que o autor de uma fotografia “é mais do que apenas o fotógrafo”. É um dos elos de uma cadeia de responsáveis, a qual vai desde a decisão da necessidade de documentar um fato por meio da produção de imagens, passando pelas discussões sobre como deverão ser produzidas, até o ponto em que são trabalhadas, tendo em vista uma idéia do produto final e visando compor determinada situação de comunicação dentro de um contexto administrativo e funcional.
Ademais a busca do contexto funcional é mais do que necessária para as fotografias, principalmente porque estas não trazem em si as informações das decisões metodológicas e teóricas que deram suporte a sua existência, o que difere do documento textual que já vem identificado o autor, destinatário, assunto, data, local, etc. (LACERDA, 2008).
Fonte: Imagem cedida pelo CEDOC-UNB

Nem tudo é tão simples quanto parece...

Na 1ª foto acima, temos algumas impressões, uma fachada... Iluminação direcionada... A fotografia foi tirada a noite... Será????  No entanto ela nos dá uma série de impressões que talvez não seja o que estamos vendo. Como não trás nenhuma descrição, provavelmente, iremos fazer  a descrição dela da forma que entendermos pelo que a visão nos fornece de informação. E a 2ª segunda fotografia?????? O que então poderíamos dizer...  
                                                                                       

Referências

Lopez, André Porto Ancona.  Documento de arquivo como produto/vetor do contexto histórico-cultural.  In: As razões e os sentidos: finalidades da produção documental e interpretação de conteúdos na organização arquivística de documentos imagéticos.  Tese de Doutoramento.  São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social da Fflch-Usp, 2000.

Lacerda, Aline. Fotografia como documento de arquivo. In: A fotografia nos arquivos: a produção de documentos fotográficos da Fundação Rockefeller durante o combate à Febre Amarela no Brasil. Tese de Doutoramento. São Paulo: FFLCH-USP, 2008.


Cléofas Minari Righetti
Luiz Carlos Flôres de Assumpção

terça-feira, 8 de março de 2011

Quando a foto é documento


Na última reunião aberto do GPAF (veja aqui) Pedro Davi, apresentou exemplos bem interessantes relativos a problemas oriundos da má identificação do contexto e finalidade de produção de fotografias. Nos exemplos por ele abordados algumas fotos referentes a solenidades estariam, equivocadamente, de acordo com a tabela do Conarq, sendo eliminadas após 1 ano. Ele conseguiu mostrar que algumas das fotos referiam-se à criação de setores administrativos (no caso a inauguração da Biblioteca do TCDF), que, pela mesma tabela, devem ter guarda permanente.

O exemplo, provocou, surpreendente polêmica, em torno da capacidade probatória do documento fotográfico. Alguns dos debatedores do público indicavam não serem capazes de ver em fotos administrativas nada além de uma atividade ilustrativa, não justificando a guarda das mesmas, salvo por motivos históricos. Nessa linha de argumentação estaria o mencionado registro da inauguração de biblioteca. Do outro lado do debate, muitos exemplos foram mencionados, porém de modo hipotético. A imagem acima, produzida por motivos totalmente administrativos, já ganhou outra dimensão após o sindicalista ter se tornado uma das figuras públicas da política brasileira mais importantes do começo do Séc XXI, tendo suas qualidades históricas superado o uso administrativo.

Em uma tentativa de análise mais acurada da imagem abaixo, algumas informações ausentes se farão necessárias para que seja possível compreender a dimensão administrativa e probatória do documento fotográfico original. Sem a identificação de dados de contexto a classificação do documento será problemática e, certamente equivocada. O inúmeros softwares e aplicativos disponíveis na era da informação não são capazes de dar conta desse desafio apenas pela análise do conteúdo informativo primário da imagem.


A classificação por conteúdo identificaria uma área não urbana, provavelmente pertencente ao bioma Cerrado, com indícios de interferência humana, responsável pela área desmatada para, aparente, via de circulação. Supondo que ainda fosse possível, por meio de busca em programas de geoprocessamento, identificar o local, o verdadeiro motivo da produção do documento original (que é informação fundamental para a classificação arquivística) continuaria indeterminada. Muito arquivos brasileiros, infelizmente e erroneamente, promovem a separação dos documentos fotográficos do restante do acervo, sem a realização de referências cruzadas, guiados por duas ilusões. A primeira de que, dada a fragilidade do suporte, é necessário separar, o quanto antes, os documentos em suportes emulsionados dos não emulsionados. A outra é que, posteriormente, com um amplo sistema automatizado de indexação, os vínculos serão restabelecidos.

O documento fotográfico, cuja imagem aérea está reproduzida acima, é um documento administrativo fundamental em um processo que poderá levar a condenação de uma figura pública por crime ambiental. Como tais informações não podem ser encontradas no conteúdo da imagem elas jamais poderão fazer parte de um futuro sistema informatizado se os documentos imagéticos forem separados dos documentos textuais que, além de informar as finalidades da imagem, trazem os dados contextuais necessários para a classificação arquivística. O mais curioso nesse exemplo não é o que a imagem mostra, porém o que ela não mostra: supostas pilhas de madeira ilegal que, de acordo com o investigado, já estavam na propriedade à ocasião de sua aquisição:


Somente o contexto de produção e a organicidade arquivística são capazes de dotar o documento das informações necessárias para que ele não se converta em mais uma ilustração sobre a riqueza natural brasileira, para que ele seja  prova em uma transação administrativa relacionada ao combate à devastação de tal riqueza.

Acesse aqui reportagem sobre o episódio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Não só de conteúdo vive o documento


Durante algumas leituras acerca do tratamento arquivístico de documentos imagéticos, alguns autores - seria prolixo (leia chato) numerar – sugerem uma tendência de que a organização de documentos imagéticos, principalmente fotografias, se dêem a partir da compreensão de seu conteúdo. Havendo para subsídio dessa atividade, manuais bastante detalhados para dizer o que está se vendo nas imagens.

Sem cair no mérito de quão viável e importante seria essa atividade – não defende-se aqui que deve ser descartada – mas questiona-se: “A descrição de conteúdo deve ser o norte para qual aponta a organização e a base do tratamento arquivístico dos documentos imagéticos?”

Em uma tentativa, ainda não definitiva, de responder (debater) a questão, devemos primeiro ter em mente quais documentos imagéticos são documentos imagéticos de arquivo. De acordo com Maria de Lourdes Silva “(...) o que realmente vai definir se o documento fotográfico ou imagético deve ser considerado ‘documento de arquivo’ é a sua relação orgânica com o seu produtor institucional” (2005, p.4).

Será que se suprimirmos desta citação as palavras em negrito ela deixa de estar certa? Estranho!!! Continua parecendo correta, o que implica que que o mesmo tratamento, em relação a organicidade, deve ser dado aos documentos convencionais e imagéticos.

Sem querer exagerar no uso da retórica, pergunta-se também: que instrumento permite visualizar as relações orgânicas dos documentos? Defende-se aqui que tal instrumento seja o Plano de Classificação, que ao ser aplicado, cria-se séries ordenadas de documentos que representam, em sua ordem atribuída, a importância das funções neles intrínseca de acordo com o seu produtor. Para a partir de então, outras atividades, intervenções e funções arquivísticas ganharem eficácia, como afirma Sousa: "Entendemos, entretanto, que a função classificação é matricial, isto é, a partir dela que as outras funções/intervenções ganham corpo, consolidam-se, configuram-se. [...] É a função/intervenção que dá sentido e que preserva o caráter orgânico do conjunto, espinha dorsal de todo o conhecimento arquivístico" (2003, p.241).

Todavia, ao que parece, esta lógica aqui exposta não tem baseado as atividades de gestão e tratamento arquivístico de documentos imagéticos, sendo esta a hipótese a ser diagnosticada, limitando-se a realidade do Arquivo Público do DF, nos fundos que usaram o Plano de Classificação do Conarq (Resolução nº 14 de 2001) para a representação das “relações orgânicas com o seu produtor”.

Quem saiba não precisamos, enquanto arquivistas, nos sentir como pessoas com transtorno de personalidade fazendo teste de Rorschach¹: “O que você vê nessa imagem?”

Será que é matemático?


__________________
¹Famoso teste psiquiátrico que consiste na interpretação do que o paciente afirma ver em 10 imagens abstratas monocromáticas simétricas.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Analise do tratamento arquivístico dado pelo APDF às fotografias sobre a reconstrução da história de Brasília.


A fotografia foi essencial no desenvolvimento do trabalho de reconstrução da história de Brasília realizado pelo Arquivo público do Distrito Federal (APDF), durante a comemoração dos cinqüenta anos da cidade. Um dos resultados foi a divulgação de diversas fotografias da capital federal, de diferentes períodos históricos. Dessa forma, a análise do tratamento dado a essas imagens pelo APDF é de grande importância para as pesquisas sobre acervos fotográficos e seu tratamento. Pretende-se com essa pesquisa analisar a metodologia e os instrumentos usados no tratamento de documentos imagéticos no APDF, através de consulta ao seu acervo de imagens. O foco não será a recuperação de conteúdos e nem as condições técnicas de preservação física, porém alocação dos documentos fotográficos em um esquema lógico capaz de manter seus vínculos orgânicos com o restante do fundo de um mesmo titular. 

Os arquivos imagéticos possuem características bastante específicas e por isso requerem um tratamento diferenciado, não apenas levando em conta a preservação física e sua descrição e sim a questão da contextualização do documento.
 “Tradicionalmente a organização de documentos imagéticos tende a valorizar a informação visual, relegando a um segundo plano o contexto de produção do documento. Tal conduta seria justificada pela dificuldade de recomposição dos motivos da produção documental. Os modelos elaborados geralmente partem das informações veiculadas pela imagem como referencial para a classificação e descrição, sem fazer, na verdade, qualquer tentativa de contextualização documental, em termos arquivísticos.” (LOPEZ e BORGES, 2009, p.161).
Atualmente, é quase impossível pensar em um arquivo que não possua imagens em seu acervo, nos últimos anos a produção documental tem aumentado consideravelmente e com os arquivos imagéticos não é diferente, principalmente com a facilidade trazida pelas fotografias digitais, que possibilitaram um aumento considerável na produção de imagens, dessa forma, o estudo e a necessidade de políticas específicas para tratar esses documentos são cada vez mais necessários.
“Não se tem notícia de que a fotografia digital tenha sido mal recebida. Percebe-se, ainda, certa resistência por parte de alguns profissionais e de alguns amadores, mas nenhuma pouca simpatia baudelaireana digna de nota. E nos acervos em breve teremos uma quantidade astronômica de fotos digitais para preservar” (MANINI, 2008)
As imagens digitais precisam de um tratamento que preserve suas características físicas de conservação, mas que não se esqueçam de mantê-los contextualizados, as imagens precisam assim como os demais documentos manter suas relações orgânicas, principalmente pela polissemia que possui como característica. Devido à necessidade de condições diferenciadas dos demais documentos em outros suportes, pode-se observar que grande parte das instituições arquivísticas isolam as fotografias do resto do acervo sem nenhum cuidado para manter seu contexto, dessa forma elas acabam perdendo seu vínculo arquivístico.
“Embora presentes na maioria dos arquivos públicos e privados institucionais e pessoais, e submetidas a tratamento de identificação, arranjo/classificação e descrição nesses espaços, vimos que as fotografias têm sido, no entanto, pouco problematizadas no que diz respeito às relações entre as suas características de registro visual e os atributos exigidos para a aferição de seu valor documental (LACERDA, 2008, p.76 )”
No Brasil é bem clara a falta de uma política de tratamento que respeite as relações orgânicas dos documentos imagéticos, que são tratados como se fossem alheios à lógica do arquivo, privilegiando a descrição de seu conteúdo, em detrimento de sua organicidade. O conhecimento do contexto de produção de qualquer tipo de documento, principalmente das imagens, é de fundamental importância.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Documento imagético integrado em outros documentos


A imagem, enquanto elemento integrante de outros documentos, não pode ter sua classificação dissociada; nestes casos, a imagem não existe enquanto unidade documental. O que pode — e deve — ser feito é tão-somente a separação física, devidamente referenciada, em função da conservação. A descrição arquivística, mesmo que feita em um nível de minúcia individualizada, deverá ater-se ao documento maior, de cujo conteúdo a imagem é apenas parte. Isso não exclui a possibilidade de uma referenciação parcial, baseada apenas no conteúdo das imagens, o que representaria uma atividade à parte da classificação arquivística — e complementar para a organização documental —, inexistindo, na classificação, quaisquer procedimentos diferenciados quanto aos documentos imagéticos.

Exemplos de documento imagético integrado em outros documentos 
  • O acervo do Archivo General de la Guerra Civil Española foi constituído sob um direcionamento temático, reunindo materiais relacionados à Guerra Civil Espanhola. O acervo composto inicialmente por documentos do exército — resultantes da repressão franquista à maçonaria e aos comunistas —, foi ampliado com a aquisição de documentos e coleções particulares ligados ao tema central, com destaque para conjuntos de documentos fotográficos. Os positivos fotográficos constantes de processos viram-se, em um primeiro momento, separados fisicamente para fins de conservação e, posteriormente, tiveram sua descrição agregada a dos demais documentos fotográficos daquela instituição, referentes à Guerra Civil. O diferencial, neste caso, é que os positivos só foram separados dos processos após a elaboração de um plano de classificação. Fichas de referenciação foram inseridas no local original de tais imagens, nos processos, remetendo à sua nova localização física. As imagens foram submetidas à uma descrição detalhada, pautada pelas normas da Isad (g), que incorporou informações sobre a origem arquivística dos documentos dos quais foram separadas, tanto no plano de classificação, como no processo inicial. Tais informações estão cruzadas em uma base de dados, juntamente com referências a outras imagens de fundos e coleções distintas (cf. DESANTES, 1996).
  • Uma situação similar também pode ser vista no Archivo del Reino de Galícia com relação aos documentos cartográficos (mapas, plantas e desenhos), que tiveram sua referenciação anotada em um catálogo seletivo, agregando informações relativas a diversos fundos e coleções, porém indicando plenamente a situação de cada conjunto documental nos respectivos planos de classificação (cf. ARCHIVO DEL REINO DE GALICIA, 1995).

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Emenda aqui, remenda ali.. EURECA: O Plano de Classificação!


"A aplicação dos princípios de respeito aos fundos e o de ordem original incide diretamente sobre a função classificação" (SOUSA, 2003, p. 242).

"O objeto da Tipologia é a lógica orgânica dos conjuntos documentais" (BELLOTTO, 2002, p. 8)

Considerando as afirmações dos autores acima citados pergunta-se porque a Tipologia documental é estranha ao Plano de Classificação proposto pela Resolução nº 14 do Conarq, visto que tratam de um objeto bastante comum e de demasiada importância: a organicidade? A problemática é ainda mais grave ao pensarmos em documentos imagéticos devido a sua maior subjetividade em relação ao conteúdo. Porque conteúdo? Por que este é o principal critério de agrupamento dos níveis de classificação que a Resolução 14 apresenta.

Reza a lenda: "uma imagem vale mais que mil palavras". Apesar da base empírica e popular da afirmação, ela resume diversos aspectos técnicos do documento imagético, àqueles voltados à sua subjetividade. Ora, se é a apreensão do conteúdo que guia a classificação, como isso se faz quando o documento é composto por uma imagem? Quão precisa é a interpretação do conteúdo da imagem de forma a representar a sua lógica orgânica? Será que somente a compreensão do conteúdo satisfaz essa necessidade?

Para apenas vislumbrarmos de longe a resposta do problema, me arrisco resumir a situação em duas frases apenas: "Porque se classifica um documento? Para representar sistematicamente sua organicidade"

A extrema objetividade dada a esta resposta é válida para pensar-se em uma visão minimalista, pela qual não se deve excluir conceitos mais especializados. Com base nessa abreviação geral podemos apontar o queria o mínimo em relação as necessidades de um Plano de Classificação. Façamos uma análise isolada do conceito em relação a Resolução 14.

Quanto a Representação:
Resumidamente temos, de acordo com a Resolução 14, o conteúdo ou assunto, como separador de águas: o principal critério que diz o que é o documento e o motivo de sua guarda. O principal problema encontra-se aqui, posto que não somente o conteúdo deveria ser considerado, mas também (e principalmente) a tipologia documental. Todo o trâmite do documento deveria ser representado. São diversos os exemplos de documentos que em têm configuração e conteúdo idênticos, mas que cumpriram funções diferentes, representam atividades diferentes e são guardados por motivos diferentes. Supomos que isso seja ainda mais comum em relação a documentos imagéticos.

Quanto ao Sistema:
Trata-se daquele velho discurso, já quase retórico, de que o sistema decimal adotado pela Resolução 14 é um dos principais limitadores do instrumento além de despertar aquele sentimento de arremedo dos métodos biblioteconômicos de classificação com emendas.

Quanto a Organicidade:
Esta, para ser bem compreendida, depende basicamente da soma dos dois fatores anteriores.

Por fim, para ilustrar um exemplo de arranjo (ou classificação) que considere a tematização como foco principal, propomos que seja analisada a organização do acervo do musicólogo Curt Lange, indagando se houve, realmente, a representação da organicidade dos documentos. Acesse aqui texto da equipe responsável pela atividade, e dê atenção especial ao plano da página 6. Observe ainda a série "Iconografia" e responda se a representação de fotografias isoladas das atividades que as geraram, representa melhor a organicidade ou apenas aguça a curiosidade?

Acesse aqui site do Projeto Curt Lange

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Será que a preservação técnica de fotografias é suficiente para a organização arquivística?



"Histórias e memórias institucionais captadas a partir do estudo de acervos fotográficos" é um artigo de Luciana Souza de Brito que fala sobre o tratamento do acervo fotográfico do Centro Universitário Franciscano, que desde o início foi acumulado.

O tratamento constitui no diagnóstico do acervo, higienização, identificação, organização e acondicionamento. No diagnóstico foram coletadas informações como: o formato e o quantitativo das imagens, a identificação dos processos fotográficos, as dimensões predominantes, as características das deterioração das imagens, as formas de acondicionamento, informações sobre o mobiliário e a localização do acervo. Então, procuraram reunir os conjuntos documentais que se tratavam de um mesmo evento e/ou assunto.

Na higienização foram feitas atividades de ordem física e química, como por exemplo a aplicação de pó de borracha no verso das fotos, trincha e algodão sobre a emulsão. No momento da identificação eles perceberam que grande parte do acervo não possuía informações sobre a origem, autoria, evento ou data da produção da fotografia. Então eles fizeram várias pesquisas em documentos textuais e conversaram com funcionários, professores e ex-alunos para identificar essas fotografias.

A organização das fotografias consistiu na separação dos assuntos. Foi considerado o fundo Centro Universitário Franciscano e dois grandes grupos, as faculdades. As faculdades foram separadas por séries, os conjuntos documentais: autoridades, prédios, setores administrativos, comemorações e eventos, solenidades, estudantes, lembranças e irmãs.

O acondicionamento foi feito em folders e envelopes de papel alcalino, caixas-arquivo de cartão neutro e armário.

Perfeito, não é mesmo? Desta forma as fotografias ficaram muito bem protegidas e, na maioria das vezes, poderão ser localizadas quando o usuário souber o evento ou assunto da fotografia.

Tudo bem, mas e quando a pesquisa for feita por um usuário que quer descobrir quais são as fotografias guardadas para uma finalidade específica, como poderão fazer essa identificação se todas foram misturadas e organizadas por evento? A identificação e organização desses documentos deveriam ter sido feitas considerando a ordem que anteriormente eram mantidas e assim estudar o contexto de criação e separação. Esta metodologia de análise iconológica poderia ter sido feita a fim de ajudar a descobrir a origem da aquisição das fotografias. É muito importe que se mantenha a ordem original dos documentos, principalmente no caso de documentos imagéticos, porque se não identificado o contexto de criação esses documentos podem perder a função para que foi criada.

sábado, 10 de julho de 2010

A importância do contexto de produção e a reciclagem de informações visuais


O presente documento é um recorte de jornal que integra o acervo pessoal do Sr. Emiliano de Andrade.  Encontra-se em sua carteira junto aos documentos de identificação pessoal —Cédula de Identidade, Carteira Nacional de Habilitação, Cadastro de Pessoa Física etc.—, ao lado de outros de natureza afetiva, como retratos da esposa, do neto etc.  O recorte — enquanto documento do Sr. Emiliano — é único, apesar da informação veiculada (a imagem) apresentar-se como uma reciclagem.  Na realidade, o documento de interesse para o historiador do período pós-64 é a matéria do jornal, associada à imagem que a acompanha, e não o recorte do Sr. Emiliano, a despeito deste trazer uma imagem tecnicamente idêntica.  A importância da notícia enquanto fato jornalístico — foi a primeira manifestação pró-anistia feita por uma torcida de futebol, por uma das grandes torcidas brasileiras — costuma desvincular-se da função exercida pelo documento nas atividades do titular do acervo.  



A mesma imagem serviu para a criação de documentos diferentes, com funções e titularidades diversas.  A imagem da torcida do Corinthians representa uma informação que foi reproduzida em diferentes documentos desde sua criação até a reprodução do recorte neste trabalho.  Em cada um desses momentos, a informação primária permanece constante; a imagem em si mantém-se praticamente inalterada, salvo algumas modificações em sua resolução gráfica.  No entanto, em cada caso ela integra um novo documento, com funções e titularidades diferenciadas (o que é o mais significativo para a contextualização documental).  Apresenta também mudanças no suporte documental (negativo, positivo, fotolito, papel-jornal, disco magnético, papel alcalino), na técnica de reprodução (fotografia, impressão gráfica, impressão computadorizada) e na espécie documental que configura.  

A tabela adiante exemplifica as transformações ocorridas na imagem, do ponto de vista do contexto documental:

Tabela 1 – Diferentes contextos da imagem da torcida de futebol
Fonte: LOPEZ, 2003, p.79

A reciclagem da informação promovida pela utilização posterior do documento não deve ser confundida com a função para a qual ele foi produzido.  Deste modo, a partir do momento em que um banco de imagens recontextualiza a imagem do recorte de acordo com os interesses de seus pesquisadores, ele está produzindo, na realidade, um novo documento, ao invés de apenas estar disponibilizando uma informação de um fundo privado para os consulentes.

Esse exemplo ilustra que os conteúdos informativos de documentos arquivísticos (pessoais, ou não) quando descolados do contexto de produção podem permitir múltiplas interpretações.  No entanto, a redescoberta do sentido original para o titular do acervo apenas será possível se a teoria e os princípios arquivísticos se mantiverem intactos, re-compondo a ordem original  da produção arquivística.

Devemos estar atentos, ainda, para o fato de que o documento de arquivo é produzido em série, justamente por ser fruto de atividades administrativas rotineiras de seu produtor e preservado como prova de tais atividades.  O documento de arquivo, além de ser definido através de seu contexto de produção, não apresentará a informação de modo isolado, porém correlacionada aos outros documentos da mesma espécie, criados no exercício das mesmas funções.  Tais documentos, mesmo sendo diferentes em suas individualidades, por se referirem a informações específicas, são similares no formato e no papel desempenhado no cumprimento das atividades do seu produtor.  O documento de arquivo se relaciona ainda com outros, de outras espécies documentais, que lhe serão complementares, pois foram criados pela mesma atividade administrativa.  

O verdadeiro desafio dos arquivos pessoais consiste em identificar as inter-relações entre as atividades do titular e os documentos por ele produzidos/acumulados. Consiste em, a despeito da presença do instigante tema da campanha da anistia, centralizar os esforços em compreender as atividades do titular: a militância política do Sr. Emiliano.  Tais desafios, por conta da possibilidade de guarda corrompida dos acervos pessoais, somada à organização documental sempre posterior à morte do titular fazem dos arquivos pessoais um universo muito delicado do ponto de vista da arquivologia.  Somente a árdua recomposição do contexto de produção documental (que muitas vezes se afasta completamente da informação primária do documento) é capaz de dotar tais acervos de significado arquivístico, resgatando a organicidade inicial dos documentos.