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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Bolo de Banana, cadê os metadados?


Por Rodrigo de Freitas Nogueira

No texto da autora Antônia Heredia Herrera, A fotografia e os arquivos, original publicado em 1993, a autora aborda uma possibilidade incomum para o tratamento de documentos fotográficos no âmbito das discussões de arquivo. Corresponde a uma percepção ampliada do documento fotográfico, que inclui o tratamento arquivístico como uma possibilidade de organização de fotografias, buscando diferenciar o documento fotográfico do documento fotográfico de arquivo.

Nesse sentido, diante da constatação da diversidade de percepções que resultam da observação do documento fotográfico, cabe evidenciar que

“o arquivista sente nascer a suspeita quanto à veracidade; o jurista nega sua capacidade de prova; para o curador do museu falta à fotografia o status cultural e artístico; o historiador somente concedeu a ela um papel decorativo em suas pesquisas; e os especialistas em diplomática sequer a consideraram” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.2).
A natureza ambígua dos documentos fotográficos possibilita o emprego de diferentes técnicas de organização na gestão dos acervos, que, habitualmente, representam a necessidade dos diferentes produtores. A gestão do documento fotográfico nos arquivos compreende o esforço em evidenciar a motivação inicial do registro e de mantê-lo como fonte de prova da atividade que o gerou, que, claramente, não está expressa na imagem.

A atuação dos profissionais de arquivo, perseguindo os referenciais de produção e de contexto de uso do documento fotográfico, considerando as dimensões informativa e artística deles, induz ações para visualizar um modelo de organização que descontextualiza o documento fotográfico da finalidade de produção inicial. Para Heredia Herrera (1993), a dimensão informativa e artística do documento fotográfico
“irá determinar também a relação com os profissionais da documentação, que se manifestará na obrigação de, por um lado, fazer chegar a seus depósitos a produção preconcebida e institucional, por outro, forçar iniciativas para recuperação da produção privada e de coleções particulares” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.5.
Fotografia 1 - fonte: acervo do autor

Um exemplo de “iniciativa para recuperação da produção” pode ser observada ao analisar a fotografia 1, ao lado, cujo registro pertence ao acervo pessoal do autor deste post. Porque essa imagem foi produzida? Quando? Trata-se de uma imagem de um bolo de banana, produzido no Café das letras, localizado no Campus Universitário Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília.

Não há registro adicional da data de produção ou outro metadado que possa indicar a motivação do produtor, há ainda a dificuldade de propor uma conexão com uma série ou conjunto que remeta às atividades desenvolvidas por esse produtor. Para diminuir o risco de atribuição de contexto alheio ao original, alguns autores recomendam tratar esse documento fotográfico como parte da coleção do produtor, ou pelo menos, acreditam que essa ação auxiliaria na diminuição do risco de recontextualização no âmbito dos arquivos.

O isolamento do documento fotográfico do seu conjunto originário compromete as referências orgânicas de produção e afasta o registro fotográfico da sua proveniência, inviabilizando a, eventual, confirmação como fonte de prova. Trata-se da impossibilidade de tratá-lo como autêntico, se tornando um novo documento ou uma representação ilustrativa de um novo contexto.

Nesse sentido, conhecer outras formas de organização ou gestão de documentos fotográficos potencializa o aproveitamento dos recursos disponíveis no documento fotográfico e estimula a diminuição da necessidade de forçar iniciativas para promover a recuperação desses documentos.

Referências


HEREDIA HERRERA, A. A fotografia e os arquivos. Revista Photo & Documento, 2, 2016.Disponível<http://gpaf.info/photoarch/index.php?journal=phd&page=article&op=view&path%5B%5D=89&path%5B%5D=68>

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Reciclagem de imagens com mudança de significado

"Zorralisa" by Azucena Vargas
Uma das coisas mais complexas ao lidar com os conceitos de imagem e documento é que a imagem é a informação que pode ser replicada não apenas em cópias, mas também em novos documentos, com significados e funções distintas. Algumas vezes a ressignificação se dá por meio de modificações na imagem original; sejam alterações a serem intencionalmente percebidas, ou mudanças apenas identificáveis para quem é conhecedor da informação original. 

O primeiro caso pode ser fartamente ilustrado com exemplos publicitários e artísticos nos quais a compreensão da mensagem passada pela imagem alterada, e ressignificada, depende do conhecimento prévio que o espectador tenha da imagem original. É o caso do exemplo acima, da artista plástica colombiana Azucena Vargas. Sem o conhecimento anterior da célebre obra de Leonardo da Vinci perde-se completamente a capacidade de transmissão da mensagem pela artista para o espectador. Nesse caso a ciência da imagem anterior é a chave para o funcionamento da mensagem da nova imagem.

Situações relacionadas ao segundo tipo de caso, normalmente ocorrem com comprometimento da veracidade da informação e, por consequência, da autenticidade do documento no qual a nova imagem está vinculada, quando há conhecimento da imagem anterior. Na sua ausência os termos "falsificação" e "fraude" passam a ser pertinentes para a discussão. O exemplo a seguir mostra adulteração de uma imagem feita com finalidades eleitorais, no calor das atuais eleições colombianas. Diferentemente da situação ilustrada pela Zorralisa, a nova atribuição de sentido somente funciona se não for considerada como uma reciclagem da informação. Nesse caso a ignorância da imagem anterior é a chave para o funcionamento da mensagem nova imagem.

Imagem original do ano de 2009, soldados exibem certificado de conclusão de curso "Manejo de Paramos y Bosque de Niebla"
Imagem adulterada em 2014, soldados exibem supostos cartazes de apoio ao candidato identificado com a letra "Z"
Apesar de opostos e complementares os exemplos aqui escolhidos trazem uma curiosa coincidência: a prevalência da imagem da raposa (zorra, em espanhol), que está explícita na obra de Azucena. Na foto adulterada ela está implícita, na forma da letra, hollywoodamente eternizada como símbolo do cavaleiro solitário, o Zorro, assim denominado devido à sua esperteza, qualidade geralmente atribuída aos vulpídeos; só que nesse caso a esperteza tem que ser entendida em sua acepção difamatória, como sinônimo de malandragem... 

Links:
  • outro post com a obra de Azucena Vargas neste blog;
  • outra obras da artista em seu Facebook: aqui;
  • notícia da Rede Caracol da Colômbia sobre a adulteração da foto.


domingo, 24 de julho de 2011

Leitura de obras de arte, presenças do indivíduo e do contexto

Copiado deThe Reference Desk at TFPL 


Paulo Roberto Gomes Pato
Doutorando em Ciência da Informação - UnB

“Minha tese era de que fatos sociais favoreciam o desenvolvimento de faculdades e hábitos visuais característicos, que se transformavam por sua vez em elementos claramente identificáveis no estilo do pintor.” (BAXANDALL, p. 9)

"[(...) Para reconhecer a autoria de uma obra de arte] é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis, dos quadros: os olhos erguidos para o céu dos personagens de Perugino, o sorriso dos de Leonardo, e assim por diante. É preciso examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as unhas, a forma dos dedos das mãos e dos pés.” (GINZBURG, p. 144, 1991)

O excerto de Ginzburg se refere a Giovanni Morelli, que publicou uma série de artigos entre 1874 e 1876, encoberto sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff. Esses escritos apresentavam princípios para a análise de obras de arte. O “método morelliano” consistia em analisar as obras, procurando separar originais de cópias, por meio de uma minuciosa observação de detalhes, ou seja, indícios reveladores característicos da autoria. Assim, a análise e catalogação de características das figuras presentes nas pinturas, esculturas, (os lóbulos das orelhas, as unhas, etc.), de obras sabidamente originais, estabeleciam uma gramática particular que vinculava autor e estilo, sinais reveladores do pintor. O falsificador, ou imitador ou mesmo um discípulo, prendia-se, ao copiar, na configuração geral das obras do imitado, nas suas preferências composicionais, cores, etc. Porém, os detalhes, alvo da análise morelliana, eram ignorados ou tratados grosseiramente, revelando assim as falhas das cópias e falsificações.

Para Baxandall, as condições de produção das obras do Renascimento, geralmente sob encomenda, os materiais empregados, as relações sociais e o contexto foram elementos condicionadores do estilo geral do pintor, e da época. Observa Baxandall que “não existem dicionários para a linguagem dos gestos na Renascença, embora haja fontes que oferecem algumas indicações sobre o significado de um gesto: elas têm pouca autoridade e devem ser usadas com prudência, mas pelas indicações que encontramos de seu recorrente uso nas pinturas podemos supor que são pertinentes. (BAXANDALL, p. 65). Assim, os elementos exteriores ao artista eram, numa certa medida, condicionadores fundantes do seu estilo.

Portanto, se para Morelli importa o detalhe revelador, índice típico do autor, a Baxandall mais vale a configuração geral da obra, que estaria assim permeada pelas condicionantes da época, do contexto, e definiam o estilo.

Entendemos que as duas propostas de leitura de obras de arte não são excludentes, embora conflitantes. Pelo contrário, são complementares e podem, juntas, estabelecer uma terceira via para uma leitura mais profunda das obras. A visão de Morelli estabelece o individual presente nas obras, e a de Baxandall aponta para o contexto de produção, revelando sinais da época e suas influências sobre o artista.

REFERÊNCIAS
  • BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Paz e Terra.
  • GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras. 1991.  

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Blog da vez


Uma aluna de graduação em Arquivologia da UnB, para atender às exigências da disciplina de Diplomática e Tipologia Documental criou um blog focado na questão da fotografia. O blog é recente mas já traz interessantes questõs sobre autenticidade dos documentos fotográficos e sobre a veracidade das imagens representadas. A questão é candente desde a criação da fotografia. Hoje, com a democratização dos meios de produção e ajuste de imagens indiciais, a questão da veracidade assume contornos mais definidos, mas, e a autenticidade? 
Duas questões, pelo menos, continuam candentes:
  • Será que a análise sobre veracidade dos documentos fotográficos contemporâneos difere dos documentos fotográficos analógicos?
  • Será que a discussão sobre a autenticidade segue o mesmo paralelo da análise sobre a veracidade?
Para uma discussão conceitual inicial sobre a veracidade e autenticidade pode ser encontrada em DURANTI, 1999, cap.1

Uma análise de alguns exemplos está disponível em LOPEZ 2009