Fonte: copiado de http://bit.ly/aFfGEP
Marcel Gautherot me foi apresentado por Flávia Portela, arquiteta e amiga de Brasília, em uma única foto no Facebook e que ilustra o título desse post. Se for mais popular do que imaginava, vou logo confessando minha ignorância, mas a foto me chamou a atenção por ser diferente de todas as outras sobre essa tema, que já havia visto de outros fotógrafos.
Essa foto de Gautherot é instigante porque, em um primeiro momento, confere aos prédios em construção da Esplanada dos Ministérios uma sensação de etéreo, utilizando para isso a farta poeira que abundava nos canteiros de obras, fato que comentarei mais adiante.
Como é peculiar, ou melhor, recomendado pelos estudos iconológicos, fui a busca do autor com as famosas questões: a) Quem ou qual instituição solicitou essas imagens?; b) Quando e com que objetivo?; c) Por que foram preservadas e catalogadas pelo Instituo Moreira Sales - IMS? É importante ressaltar que esse post se atém a não mais que duas fotografias de Guautherot e, propositalmente, de uma questão muito específica, já citada no título: o etéreo.
Marcel Gautherot, nasceu em Paris, em 1910 e faleceu no Rio de Janeiro em 1996. Filho de pais pobres, mãe operária e pai pedreiro, em 1936 participa do grupo que seria responsável pela instalação do Musée de l”Homme onde é encarregado de catalogar as peças do museu, começando aí a se dedicar à fotografia. Chegou ao Brasil em 1939, supostamente influenciado pela leitura do romance Jubiabá de Jorge Amado, configurando um "convite" para conhecer um país de terras tropicais e afastado do ambiente do pós-guerra.
Tendo fixado residência no Rio de Janeiro, entra em contato com parte da elite intelectual brasileira (Carlos Drummond, Mário de Andrade, Lúcio Costa, Burle Marx, entre outros).
Começa a fazer trabalhos de fotografia para o SPHAN, o Museu do Folclore e trabalha para a revista "O Cruzeiro". Durante sua existência, viajou por 18 estados brasileiros, constituindo um acervo de cerca de 25.000 negativos, fotografando não apenas a arquitetura mais a cultura e diversidade do povo brasileiro, acervo hoje pertencentes ao IMS.
Sobre sua experiência em Brasília, relatam Andréa Cristina Silva e Leila Beatriz Ribeiro:
"Em meados dos anos 50, a convite de Niemeyer e contratado pela NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), Gautherot passa a documentar a construção de Brasília. Momento alto de sua trajetória e de sua criação como fotógrafo, as imagens de Brasília atestam o nascimento de uma nova cidade, desde o começo, até sua inauguração. Com a Rolleiflex em punho e um olhar fotográfico extremamente refinado e elegante, o francês registrou o nascimento das obras monumentais de Niemeyer e a execução paulatina do plano piloto de Lúcio Costa como num imenso making off da construção. No conjunto das imagens de Brasília podemos perceber como a arquitetura surge do vasto chão para se tornar o belo, o diferente, o monumental".
A frase final das autoras é o mote para iniciar a discussão das fotos de Gautherot: "a arquitetura surge do vasto chão". Tomado em essência, não deixa de ser uma realidade, mas o que o fotógrafo realiza, intencionalmente (ou não) é justamente essa ruptura com a engenharia, que já galgava graus de modernidade. Para tanto, utiliza a já citada farta poeira presente na construção da nova capital para "encobrir" essa sensação lógica e linear, conferindo à imagem uma perturbadora e bela sensação de do etério, do impermanente, da incerteza.
Ao examinar a imagem, a sensação que tenho é justamente da ausência de sustentabilidade, algo que confere dúvida: o que transmite vigor e segurança em construções (ou até mesmo em um trabalho acadêmico) são suas bases. Sem elas, ou se tem uma obra com a impressão de de que não será concluída ou de que a o peso dos andares superiores rechaçarão os andares inferiores, transformando tudo em ruínas.
Há outra foto que parece confirmar a "intencionalidade" de Gautherot em utilizar a poeira para "minar" as bases das construções, reproduzida a seguir. Nela, fica quase evidente que o fotógrafo aguardou a passagem de um veículo, no caso uma caminhonete, para levantar a "poeira" necessária para captar a imagem no seu momento oportuno.
Fonte: copiado de http://bit.ly/aFfGEP
Se falarmos de acervo, acredito que essas duas imagens estejam corretamente classificadas dentro do acervo da construção Brasília, de Marcel Gautherot, pelo IMS. O que questiono é, se presentes em tantas que ilustram livros das obras da capital, principalmente de Niemeyer, apresentadas no Brasil e exterior, passaram pelo "crivo" do mesmo e seus assessores.
De profundo valor estético, em minha opinião, contradizem, ou mo mínimo, provocam certo "mal estar", não apenas na concepção arquitetônica desafiadora e quase "violenta" dos traços de Niemeyer imposta aos engenheiros da época, como na campanha nacionalista formada em torno da construção da nova capital.
Há muito que se comentar sobre Marcel Gautherot. Incógnitos e crassos erros fotográficos que poderiam ter sido eliminados (ex.: na foto da caminhonete há uma placa cortada pela metade), e não vou citar todos agora para não estender a polêmica. Há, também, curiosas similaridades que encontrei com fotos de Sebastião Salgado, futuros questionamentos a serem dirigidos a esse último, em outra ocasião.
*Niraldo Nascimento é Doutorando em Ciência da Informação (UnB)
na linha de Pesquisa de Acervos Fotográficos
Referências:
SILVA, Andréa C, RIBEIRO, Leila B. Ribeiro. Imagens do silêncio, imagens silenciadas – Marcel Gautherot e a construção de Brasília XXII Encontro de História - Anpuh/RJ. Disponível em <http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1213108979_ARQUIVO_ANDREALEILA.pdf> Acesso em 21/02/2012.
Brasília por Gautherot. Olhar sobre o mundo. Disponível em <http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/brasilia-por-gautherot/> Acesso em fevereiro de 2012.
Há uma questão importante suscitada por esse post que é a reprodução da imagem em outros livros. Temos então momentos e documentos distintos: um momento de registro de um fato (documento de arquivo) e um momento de divulgação estética da imagem, que passa a valer por seu conteúdo informativo. Para o primeiro momento as práticas de organização arquivísticas são fundamentais, para o segundo elas são mais do que inapropriadas, porém serão responsáveis por garantir a contextualização da criação da imagem.
ResponderExcluirBem lembrado, André! Grato!
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