O trabalho de Barrios reflete a fotografia e o arquivo fotográfico a partir da pesquisa de imagens de fins do século XIX e século XX sobre ritos religiosos na província de Corrientes (Nordeste da Argentina) existentes no Arquivo Geral da Nação (AGN).
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Para a autora, no caso de dispositivos fotográficos e arquivísticos, cada época histórica modula as linhas de visibilidade, de práticas / formas não discursivas de conteúdo que determinam / geram lógicas e performances de visibilidades. Estes estabelecem o que é incorporado no recorte fotográfico do que é memorável e do que é deixado de fora, ou quais memórias se tornam mais visíveis no arquivo e quais são deixadas na sombra.
Antes de entrar mais detalhadamente na discussão da autora, gostaria de começar esse texto a partir dessa foto de Usha Velasco.
Não por acaso encontrei essa foto durante minha exploração sobre fotógrafos e fotografias de Brasília enquanto refletia sobre minha leitura do texto de Barrios. Pensei em duas coisas: a foto reflete a perspectiva do transeunte (por meio da legenda), no seu cenário de todos os dias (que nem sempre é sombrio, como está na legenda), e a perspectiva de quem vê de fora, nós mesmos, que podemos julgar este um cenário sombrio ou não. A segunda coisa, refere-se ao pequeno recorte que este momento representa para algo que tem infinitude, esta foto representa o frágil segundo de um dia dentre os 365 dias que este transeunte ainda passará por este caminho, ou não. Tanto esta foto como as fotos de Corrientes discutidas por Barrios me parecem ser a soma de várias coisas: daquilo que se deseja representar, a opção do fotógrafo (decisão de captura, esquecimento, exibição, conservação e ocultação deste tipo de imagens), sua percepção do mundo, o contexto histórico, e várias outras possíveis variáveis que tentam se aproximar daquilo que realmente é (mas aquilo que realmente é me parece inalcançável), chegamos apenas à pequenos vestígios daquilo que pode ter sido. Como resultado desta soma retornamos à legenda da foto de Velasco: uma coisa é uma coisa, uma foto é outra coisa.
Me parece que Barrios se interessa em conhecer as condições históricas que impulsionaram a existência de tais fotografias, e como estas são capazes de ocultar ou evidenciar memórias.
“Em outras palavras, entendemos que examinar o lugar / local do olhar, aludindo às suas condições históricas e não à representação dos mundos possíveis que ele apresenta, nos permite entender de onde, por que e por que esses mundos são imaginados e apresentados/ reproduzidos em determinado momento e de uma certa maneira.” (pág. 22)
O objeto de investigação de Barrios é o grupo de fotografias de temas relacionados às práticas religiosas correntinas no Arquivo Geral da Nação (AGN). A autora nos diz que hoje essas imagens são abundantes em vários meios e contextos, mas que no final do século XIX e durante o século XX estas eram escassas e até nulamente abordadas contra aquelas visões múltiplas de "progresso" que marcaram a era. A autora observou que os autores mais destacados que forjaram o advento da fotografia na província de Corrientes usaram a técnica para proteger imagens de famílias proeminentes, figuras ilustres da política, do comércio e do arcebispado. Retratos e paisagens urbanas eram os dois grandes gêneros que dominaram o campo visual dos temas memoráveis, mas sempre ligados ao relacionados com a modernização e projeto colonizador promovido pela classe de "educados" e classe média emergente. Os setores políticos da igreja, a burguesia rica viu a fotografia não apenas um instrumento para registro, mas também para legitimar os processos que acompanharam e que eles foram mantidos em uma posição social dominante.
Isso fez com que as capturas esporádicas relacionadas às classes populares e suas práticas não fossem consideradas dignas de serem mostradas e quase nenhum registro é mantido e, caso sejam mantidas, estão fora dos arquivos oficiais.
O que foi encontrado no AGN
No arquivo foi encontrado um sistema classificatório que não possui nenhuma categoria especificamente dedicada à preservação de imagens de ritos ou práticas religiosas em geral e Corrientes em particular. No entanto, dentro da superabundância de fotografias abrigadas sob grandes temas e subtópicos, foi possível encontrar cerca de 14 fotografias referentes ao tema. Só permanecem do início do século passado os registros que em sua maioria, foram encomendados pelos sacerdotes da campanha de evangelização ou são imagens que foram definidas seguindo os regimes de visibilidade e ocultação estabelecidas por essa formação histórica que buscava difundir a visão de uma Corriente heróica, culta, clerical, católica e tradicional.
O que não foi encontrado AGN
Exceto por uma imagem da feira ao redor da Basílica de Itatí, as outras fotografias encontradas eles não registram os ambientes, o espírito brincalhão, ações informais e espontâneas nas celebrações, muito menos traços das atividades herdadas dos habitantes originais que, a partir de então, estavam vinculados a práticas devocionais oficiais e assim sobreviver até hoje (dança, dança e oferta de comidas e cultos pagãos, etc.). Aparentemente, esta quinzena escassa de imagens que difunde o imaginário de uma província católica e clerical é o único que, de uma forma ou de outra, foi abordado e admitia para ser conservada no acervo geral da nação.
Alguns tópicos importantes
Living Museum
É um tipo de museu que tenta recriar cenários históricos para simular um período de tempo passado, proporcionando aos visitantes uma interpretação experimental da história. É um tipo de museu que tenta recriar toda a extensão de uma cultura, ambiente natural ou período histórico.
Black Country Living Museum – Dudley - Inglaterra
Surgiu pela primeira vez na década de 1830, criando a primeira paisagem industrial em qualquer parte do mundo. A Black Country também possuía importantes peças de hardware e outros produtos distintivos - ferragens estruturais, fabricação de correntes, fechaduras e chaves, fabricação de tubos, fabricação de armadilhas e muitas outras - que trouxeram fama às cidades de Black Country em todo o mundo.
Texto no site do museu:
“Por incrível que pareça, criamos um "lugar" - um lugar real e animado, onde antes não havia nada nem ninguém. Com uma aldeia e moradores carismáticos para conversar. Bondes para andar. Jogos para jogar. Coisas sendo feitas. Histórias para ouvir. Pessoas - seus triunfos para admirar e problemas para ser grato que não são nossos.”
Algumas indagações
Há uma intencionalidade quando se tira uma foto, e depois várias possibilidades de uso. Memória não é algo homogêneo, arquivos, museus e bibliotecas não são capazes de absorver a pluralidade de memórias e percepções que existem em seus territórios (e quando falo de territórios aqui me refiro aos campo de ação de cada instituição). Barrios se debruça em uma discussão que traz à tona a existência de manifestações culturais em Corrientes que não necessariamente estavam presentes nos arquivos por não serem consideradas legítimas para aquela época, isso no final do século XIX e durante o século XX. Esta mesma autora diz que apesar disso atualmente esses outros registros podem ser encontrados em abundância.
Nessa linha de pensamento, vale lembrar que vozes negligenciadas encontram seus próprios caminhos para se legitimar, quando não encontram nos espaços de memória seu próprio reflexo são criados museus, movimentos sociais, centros culturais, e outras diversas maneiras de evidenciar algo ou alguém, numa corrida para o combate do medo do esquecimento. Há, inclusive, aqueles que não se desejam pertencer ou se fazer representar em tais espaços. A questão aqui, a partir dessa colocação de Barrios é: manifestações culturais que não estão representadas nestes espaços de guarda de memória poderiam hoje ser contempladas? É interesse das comunidades ter lugar de guarda nestes locais? Como lidar com a gestão desses registros de memória que por vezes estão em espaços não oficiais?