quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Fotografia digital é fotografia?


Por Julia Donato

A fotografia, na forma que conhecemos hoje, é fruto do desenvolvimento de tecnologias que se iniciou com o processo físico-químico do registro de uma imagem em uma superfície por meio da luz. De acordo com Vélez (2003, p. 170), esse processo de criação da fotografia pode ser comparado aos rastros que um pé deixa na areia.

Disponível aqui
A nova produção de imagens, com o surgimento da fotografia digital, resulta de uma transformação digital, na qual o registro da imagem é transformado em um sinal eletrônico, traduzido em um código que é armazenado em um suporte. Isto é, é produzida a partir de um meio que permite a leitura da imagem que foi captada, interpreta-a em um código binário e a traduz em uma matriz que permite o seu processamento e armazenamento como informação.

Quando se trata da analogia com a pegada na areia, a fotografia digital não pode ser fator de comparação, uma vez que a sua produção é feita a partir de uma tradução, diferente da fotografia analógica que “deixa o seu rastro” em um suporte físico, ou seja, não se pode falar em “pegada digital” para a fotografia digital.

Mas o processo digital pode ser considerado fotografia, visto que a sua gênese técnica é outra? Se procurarmos a etimologia da palavra fotografia, percebe-se que ela se relaciona ao processo técnico original, já que do Grego Foto (photo ou phos) significa “luz” e Grafia (graphein) significa “registrar”. No entanto, segundo Vélez (2003, p. 172),
La fotografía físico-química y la de origen digital son similares en su aspecto final o mejor aun, son indistinguibles. Desde la mirada tanto la una como la otra resultan ser del mismo tipo y aparentemente pueden ser nombradas de la misma manera, lo cual, como ya se ha dicho, se  traduce en una aceptación y en una aprehensión similares.
Apesar da fotografia analógica e da fotografia digital serem diferentes no processo técnico de criação, são semelhantes no aspecto final. Para um usuário comum, a gênese técnica não tem importância, quando o que se pretende alcançar é somente a captura de uma imagem de modo mais fácil, promovida, principalmente, pelo desenvolvimento de telefones celulares com câmaras fotográficas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A primeira fotografia no México

Por Tânia Moura

Primeira foto com daguerreótipo 
Fonte: https://masdemx.com

As origens da fotografia mexicana remontam o século XIX, segundo explica Manuel de Jesus Hernández (1981) no artigo “a origem da fotografia no México”. A primeira fotografia realizada no país é de autoria de Jean Prelier Dudoille, francês que teria desembarcado no Porto de Veracruz, no Golfo do México, em dezembro de 1839. O fotógrafo francês teria sido pioneiro no registro de imagens utilizando o daguerreótipo, aparato inventado pelo físico e pintor Louis Daguerre (1787-1851) que registrava imagens por meio de processos químicos. Na imagem (foto 1) é possível ver a cúpula da igreja do convento de São Francisco e ao fundo a fortaleza de San Juan Ulúa com alguns barcos ao ancorados ao fundo.

O artigo de Jesus Hernandez aborda o tema da história da fotografia mexicana, focando a borda a questão das primeiras fotografias feitas com o daguerreótipo no México. O autor argumenta que, embora alguns pesquisadores indiquem contradições acerca da data, a invenção teria sido introduzida no país no ano de 1840, sob ampla expectativa do público informado e extensa publicidade sobre sua finalidade e utilidade. O fato teria ocorrido quase que imediatamente após o daguerreótipo ter sido oficialmente anunciada na França. Hernandez considera relevante identificar a situação sócio-política e estética do México durante esse período e indica que os periódicos que circularam entre 1839-1840 davam ampla divulgação sobre a chegada da nova máquina ao país. Acrescenta que desde sua entrada no país, o processo de fotografia, foi considerado como uma das artes plásticas. Finaliza o artigo indicando as características, vantagens e desvantagens do daguerreótipo, aparato que causou uma revolução nas teorias da luz e da óptica.

Referências:

HERNÁNDEZ, M.J. (1981). El origen de la fotografía en México. Connotaciones, núm. 1, 1981, AMIC/E1 Caballito, México, pp. 63-70.

Más del México. (2016). Esta es la fotografía más antigua en México: la primera imagen capturada en el país. Disponível em: https://masdemx.com/2016/04/esta-la-fotografia-antigua-mexico.





quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Guia do Centro de Fotografia de Montevidéu (CdF)


Por Rafael Dias da Silva

Sobre o CdF

O Centro de Fotografia de Montevidéu (CdF) foi criado em 2002 e é uma unidade da Divisão de Informação e Comunicação da Prefeitura de Montevidéu. Desde julho de 2015 funciona no Edifico Bazar, edifício histórico localizado na Avenida 18 de Julio (Foto 1).

O objetivo do CdF é trabalhar a fotografia com o objetivo de incentivar a reflexão e o pensamento crítico sobre temas de interesse social, fomentando o debate sobre a formação de identidades e contribuindo para a construção da cidadania. Além disso, busca ser uma instituição de referência a nível regional e nacional, gerando conteúdos, atividades, espaços de intercâmbio e desenvolvimento nas diferentes áreas que compõem a fotografia.

O CdF tem sete espaços exclusivos para exposição de fotografia: três salas localizadas no prédio da sede (no térreo, primeiro andar e subsolo) e em galerias de fotos no Parque Rodó, Prado, Ciudad Vieja e Villa Dolores, concebidas como espaços ao ar livre para exposição permanente.


Foto 1

Sobre o Guia

O Guia (Foto 2) apresenta inicialmente a origem do Arquivo Fotográfico, em 1915, quando a prefeitura de Montevidéu criou uma seção dentro do Escritório de Informações, dedicada ao registro fotográfico da cidade. No ano seguinte começou-se a produzir imagens específicas sobre as festas de verão e carnaval. Os fotógrafos Isidoro Damonte e Carlos Ángel Carmona estavam encarregados desse trabalho, registrando as transformações nas edificações de Montevidéu, os meios de transporte, as atividades sociais e culturais, os passeios públicos e as comemorações nacionais, procurando destacar a "beleza" e a "modernidade" da cidade, que é explicada pelos fins turísticos e de propaganda que tinham essas imagens.

Além disso, eles eram responsáveis por coletar, via compra ou doação imagens "antigas", para reproduzi-las e integrá-las ao arquivo. Isso explica que o porquê das primeiras imagens datarem o ano de 1865. Isso significa um total aproximado de 30.000 negativos e positivos monocromáticos, principalmente em suporte de vidro e, em menor medida, de plástico e papel, numa variedade de formatos.

O trabalho de Damonte e Carmona foi estendido até o final da década de quarenta. Depois deles, outros fotógrafos continuaram com o registro da cidade, mas a taxa de produção de imagens diminuiu. Na década de 1960, a prefeitura criou um serviço de Imprensa que também produziu fotografias.

Foto 2


Em 1997, foi criado o Arquivo Fotográfico de Montevidéu (AFMVD), com o objetivo de preservar e valorizar as imagens produzidas pela Prefeitura, além de produzir imagens contemporâneas sobre a cidade.

Em 2002, tornou-se o Centro de Fotografia (CdF). Dois anos depois, o CdF criou o grupo de séries Contemporâneas (FMCMA), que agrupou as fotografias contemporâneas do AFMVD, juntamente com as imagens documentais produzidas por os fotógrafos municipais da Assessoria de Imprensa durante a década anterior.

Na sequência, o Guia apresenta a composição da descrição de trinta e nove conjuntos documentais. As informações são sistematizadas em Fichas elaboradas com base na Norma Uruguaia de Descrição Arquivística – NUDA e na Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística (ISAD-G). Além disso, o CdF utiliza o Manual para a Gestão de Fundos e Coleções Fotográficas, de Joan Boadas, Lluís-Esteve Casellas e M. Ángels Suquet para realizar o seu trabalho de descrição.

Nos Anexos do Guia são apresentadas algumas informações interessantes, como por exemplo uma Linha do Tempo, que indica as datas-limites dos conjuntos documentais. 

São apresentados também os procedimentos de Gestão do Arquivo Fotográfico do CdF, que são realizados através do:

  1. Controle Físico (planejamento e execução de ações de conservação preventiva e digitalização);
  2. Controle Intelectual (organização dos conjuntos documentais, análise do conteúdo das imagens e das informações relativas ao contexto da sua produção) e
  3. Acesso - Através de um Catalogo online (página da CdF), exposições, publicações chamadas “Gelatina y Plata”, além de uma loja com produtos temáticos.

Também é apresentada a Política de Entrada e Tratamento de Doações. Atualmente o CdF aceita fotografias apenas em caráter de doação. A avaliação para entrada no acervo é realizada por uma Comissão que tem como membros um licenciado em história, um fotógrafo e um arquivista.

Quando as fotografias ingressam formalmente no acervo do CdF, elas são objeto dos seguintes procedimentos:

  • Geração de Código Alfanumérico (com a procedência e o número de registro);
  • Conservação Preventiva (limpeza mecânica); 
  • Troca para um envelope feito de papel livre de ácido;
  • Digitalização;
  • Inserção de Metadados IPTC da imagem digital.

Após esses procedimentos, o doador é contatado para devolução dos originais (se for entrar no acervo a cópia digital), se os objetos de doação forem os originais, esses ingressam na “câmara de conservação”.

Por último é apresentada a Política de Produção Fotográfica, com a Missão e a Visão do CdF e um Glossário de termos associados ao Guia.


Referências

Guía del Archivo Fotográfico del CdF / Centro de Fotografía de Montevideo.
1ª ed. Montevideo: CdF. 2017. Disponível em:
Acesso em: 29 de agosto de 2018.




quarta-feira, 16 de maio de 2018

Arquivística do Sentido # Arquivística do Metro Linear

Por Rodrigo de Freitas Nogueira

A evolução da arquivologia, enquanto disciplina do conhecimento, tem oferecido discussões significativas em relação aos desdobramentos da reconfiguração do documento de arquivo em ambiente informatizado. No que se refere aos documentos fotográficos, o autor David Iglésias Franch (2008, p.15), afirma haver um “fenómeno de la desmaterialización [que] consiste en la ausência de una estructura física de la imagen”.

Sabe-se que os efeitos da desmaterialização na fotografia incorrem no distanciamento dos elementos componentes do documento fotográfico, no qual a informação presente na imagem se distancia do suporte de registro. Essa situação propõe a diferenciação do documento fotográfico digital em relação ao documento tradicional, revelado a partir de um processo químico. Para Camargo (1993), nesse contexto,
“A prática arquivística aproxima-se da prática documentária e aponta para a situação-limite em que os documentos se destacam de sua origem, as informações se separam de seu contexto e os dados ganham autonomia em relação às informações” (1993, p.3).
A autora Ana Maria de Almeida Camargo (1993, p.2) indica ainda que os documentos de arquivo devem ser conservados em decorrência do seu valor, e acrescenta “Que valor, poderíamos perguntar? Antes de qualquer outro, o valor informativo, o valor referencial. Fecham-se assim os elos que unem informação, documento e arquivo numa cadeia, como variáveis de um sistema”. 

Esse microssistema de variáveis que associa informação, documento e arquivo pode representar a complexidade do documento de arquivo digital, no qual ao produtor é perceptível apenas parte desse microssistema. Assim, a manifestação do documento digital possibilita a visualização do conteúdo e das informações que um documento contém, essas que representam as atividades e funções do produtor. Nos bastidores, se é que podemos denominar desse modo, a extensão do microssistema documento de arquivo se completa com um conjunto diverso de registros e metadados que delimitam o contexto e as interações de produção e uso das variáveis envolvidas.

Imagem & Metadado - fonte: https://atom.unb.br/ (adaptado)

Essa arquivística que trata do documento digital e de sua complexidade, por meio da análise de informações, dados e metadados, como variáveis de um microssistema foi denominada por Vital Chomel (1975) apud Camargo (1993, p.3) como “uma arquivística do sentido, que seja ao mesmo tempo decifradora dos dados documentários e questionadora das fontes adormecidas” em oposição a uma “arquivística do metro cúbico ou linear”, que remete ao documento tradicional e sua organização com seus problemas característicos.

Referências


CAMARGO, A. Arquivo, documento e informação: velhos e novos suportes. Revista Photo & Documento, 2, 2016. http://gpaf.info/photoarch/index.php?journal=phd&page=article&op=view&path%5B%5D=26.


IGLÉSIAS FRANCH, David. La fotografía digital en los archivos. Qué es y cómo se trata. Gijón, Ediciones Trea, 2008.

Bolo de Banana, cadê os metadados?


Por Rodrigo de Freitas Nogueira

No texto da autora Antônia Heredia Herrera, A fotografia e os arquivos, original publicado em 1993, a autora aborda uma possibilidade incomum para o tratamento de documentos fotográficos no âmbito das discussões de arquivo. Corresponde a uma percepção ampliada do documento fotográfico, que inclui o tratamento arquivístico como uma possibilidade de organização de fotografias, buscando diferenciar o documento fotográfico do documento fotográfico de arquivo.

Nesse sentido, diante da constatação da diversidade de percepções que resultam da observação do documento fotográfico, cabe evidenciar que

“o arquivista sente nascer a suspeita quanto à veracidade; o jurista nega sua capacidade de prova; para o curador do museu falta à fotografia o status cultural e artístico; o historiador somente concedeu a ela um papel decorativo em suas pesquisas; e os especialistas em diplomática sequer a consideraram” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.2).
A natureza ambígua dos documentos fotográficos possibilita o emprego de diferentes técnicas de organização na gestão dos acervos, que, habitualmente, representam a necessidade dos diferentes produtores. A gestão do documento fotográfico nos arquivos compreende o esforço em evidenciar a motivação inicial do registro e de mantê-lo como fonte de prova da atividade que o gerou, que, claramente, não está expressa na imagem.

A atuação dos profissionais de arquivo, perseguindo os referenciais de produção e de contexto de uso do documento fotográfico, considerando as dimensões informativa e artística deles, induz ações para visualizar um modelo de organização que descontextualiza o documento fotográfico da finalidade de produção inicial. Para Heredia Herrera (1993), a dimensão informativa e artística do documento fotográfico
“irá determinar também a relação com os profissionais da documentação, que se manifestará na obrigação de, por um lado, fazer chegar a seus depósitos a produção preconcebida e institucional, por outro, forçar iniciativas para recuperação da produção privada e de coleções particulares” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.5.
Fotografia 1 - fonte: acervo do autor

Um exemplo de “iniciativa para recuperação da produção” pode ser observada ao analisar a fotografia 1, ao lado, cujo registro pertence ao acervo pessoal do autor deste post. Porque essa imagem foi produzida? Quando? Trata-se de uma imagem de um bolo de banana, produzido no Café das letras, localizado no Campus Universitário Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília.

Não há registro adicional da data de produção ou outro metadado que possa indicar a motivação do produtor, há ainda a dificuldade de propor uma conexão com uma série ou conjunto que remeta às atividades desenvolvidas por esse produtor. Para diminuir o risco de atribuição de contexto alheio ao original, alguns autores recomendam tratar esse documento fotográfico como parte da coleção do produtor, ou pelo menos, acreditam que essa ação auxiliaria na diminuição do risco de recontextualização no âmbito dos arquivos.

O isolamento do documento fotográfico do seu conjunto originário compromete as referências orgânicas de produção e afasta o registro fotográfico da sua proveniência, inviabilizando a, eventual, confirmação como fonte de prova. Trata-se da impossibilidade de tratá-lo como autêntico, se tornando um novo documento ou uma representação ilustrativa de um novo contexto.

Nesse sentido, conhecer outras formas de organização ou gestão de documentos fotográficos potencializa o aproveitamento dos recursos disponíveis no documento fotográfico e estimula a diminuição da necessidade de forçar iniciativas para promover a recuperação desses documentos.

Referências


HEREDIA HERRERA, A. A fotografia e os arquivos. Revista Photo & Documento, 2, 2016.Disponível<http://gpaf.info/photoarch/index.php?journal=phd&page=article&op=view&path%5B%5D=89&path%5B%5D=68>