terça-feira, 26 de julho de 2011

A Narrativa da Foto Invisível


Niraldo J. Nascimento
Doutorando em Ciência da Informação - UnB

Muitas pessoas tiveram a experiência de ouvir histórias, na infância, contadas por pais, avós e outros parentes e algumas delas ficam internalizadas, às vezes por medo, às vezes por beleza, ou outros motivos. Também pode ter sido um conto ou uma novela que lemos ou leram para nós. Chamemos isso de narrativas, embora o termo em voga seja Storytelling, que Palacios (2007, p.15) define como "[...] um termo em inglês utilizado para definir a arte ou a técnica do emprego de histórias como forma de contextualização de um conjunto de informações".

Na década de 70, Robert Pirsig reintroduz o termo "chautauqua" em seu famoso livro "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas". As chautauquas foi um movimento de educação de adultos que alcançou ampla repercussão nos Estados Unidos, em especial o Movimento Lyceum, que ganhou popularidade e era indissociavelmente ligado ao Transcendentalistas: Ralph Waldo Emerson, um dos primeiros palestrantes (deu cerca de 100 palestras no Concord Lyceum) e Henry David Thoreau, que leu sua publicação - "Desobediência Civil" -  publicamente e pela primeira vez, no mesmo lugar em 1848.

No Brasil, temos a Ação Griô que procura preservar a tradição oral das tribos indígenas brasileiras, como patrimônio nacional.

Ontem me deparei com um conto (uma narrativa), chamado "A Fotografia". Foi postado no blog Caminhar, de minha amiga Laura Diz e escrito por sua mãe, Léa Muniz, ganhador do concurso de contos do Banco Real há alguns anos.

O que me chamou a atenção foi a beleza da narrativa e um aspecto peculiar: as condições da produção estão detalhadamente descritas mas a fotografia não existe. Reproduzo o conto abaixo, com autorização da Laura, no intuito de provocar uma discussão: mesmo sendo uma narrativa, se o contexto de produção existe, a fotografia também existe? Ela pode ser considerada real, não como documento de arquivo, mas como uma criação mental? Ficam abertas as questões.


A fotografia
Lea Muniz Diz

Chovia uma triste chuva de desolação. Meus pés feriam-se nos seixos da rua sem calçamento tentando acompanhar os apressados passos de minha mãe. O guarda-chuva de meu pai, bastante grande para nós duas, na sua precipitação, só servia para me molhar, tanta a chuva que descia pelos meus cabelos e ombros. Atravessamos o portão escancarado e seguimos por uma alameda ladeada por dois renques de ciprestes. Os galhos entrelaçavam-se e, arriados quase até o chão, fustigavam-me o rosto. Lembro que floresciam azaléas vermelhas. Nos fundos a casa simples de madeira. Minha mãe empurrou a porta entreaberta. Alguém, com um sinal de cabeça, apontou a porta à direita e ela me deixou dizendo para que a esperasse. Sentei junto de uma velha negra que desfiava um rosário, intercalando uma vez que outra: Que barbaridade! Outras pessoas chegavam ansiosas. Entravam e desapareciam atrás da porta cerrada para voltarem minutos depois com ar compungido. No fogão crepitavam as chamas da lenha. E junto da parede, perto da chaminé, em uma frigideira enegrecida, um braseiro queimava galhos de alecrim e de arruda de onde subia uma fumaça aromatizada. D. Nercinda, a negra velha, levantou e, com um graveto, revolveu as brasas da defumação. Despejou água quente no bule de café. A chaleira voltou para a chapa que provocava estalidos que se misturavam aos murmúrios no quarto. Houve um gemido alto. Tenha calma, D. Rosa. Tenha calma.. Alguém pegou a bandeja com as xícaras de cafezinho e percorreu a sala. Na minha vez passou adiante. Criança não toma café. Não sabia bem que estava acontecendo. Houve o chamado urgente para minha mãe que saiu quase correndo, arrastando-me pela mão. Na pressa nem calçou meus sapatos.  
O tempo escoava nas mãos quietas da mulheres e nas contas do rosário que se esgueiravam pelos dedos negros. A sala tornava-se pequena à medida que mais gente chegava. A mulher do cafezinho veio até a mim para dizer para eu levantar e dar o lugar para D. Isabel. Fiquei de pé. Minha mãe não vinha. Examinava eu as pessoas a minha volta. Em algum momento caia sobre mim um olhar distante e impessoal. Ninguém me via. Incomodavam-me as roupas ensopadas e tremia sem saber se era de frio ou de nervosismo. D. Nercinda persignou-se, beijou o crucifixo, guardou o rosário em uma bolsa de verniz e finalmente me notou.
- Cruzes, como esta coitadinha está molhada. Vamos lá dentro tirar essa roupa pra secar e tomar uma coisa quente.
Pendurou meu casaco no barbante estendido em cima do fogão e trouxe para mim uma xícara de leite bem quente. Só então me animei a fazer a pergunta guardada:
- Virgínia...Virgínia vai morrer?
Ela suspirou fundo.
- Não sei, minha filha, não sei. Essas coisas a gente nunca sabe. Só Deus. Engoli o leite, agora salgado pelas lágrimas que eu não conseguia conter e que desciam para dentro da xícara.
Quando o médico chegou, D. Rosa deixou-o a sós e veio para a cozinha. Atirou o corpo magro no banquinho de lenha. Vestia-se de preto com um xale verde nos ombros.
- Por quê? Por que ela fez isso, vocês sabem? Me pergunto, me pergunto e não encontro a resposta. 
Pergunto para ela e só me olha. Me olha e sorri. Juro que quando ela sorri tenho vontade de voar em cima dela e dar uma bofetada na cara desavergonhada. Parece que alguém me segura. Deve ser o espírito do falecido. Semicerrou os olhos. Há um mistério. Ela esconde alguma coisa de muito grave. Pensa que me engana. Nunca pôde me enganar. Eu conhecia Virgínia com uma simples mirada.
Uma voz tímida interferiu:
- Não diga conhecia, D. Rosa.
Ela pareceu não escutar e continuou falando como se fizesse para si mesma.
- Era olhar para ela e eu já adivinhava se tinha feito ou não boa prova. Ai, quem havia de pensar. Uma mãe tão boa receber da única filha um golpe como esse. Sei que fui dura algumas vezes. É preciso. Ninguém educa com moleza. ( O símbolo da sua energia pendia de um prego na parede. Não fazia muito Virgínia correu para nossa casa, o rosto marcado pelo rebenque).
Pensei que seria agradecida. Ingrata. Ingrata. (ofegava) Não teve pena da mãe que sacrificou a vida por ela. Recusei muitos homens para não lhe dar um padrasto. (Fez uma pausa). Mas não vai morrer sem contar porque fez isso. Algum namorado? (Seus olhos arregalaram-se e ela se ergueu do banco. Alta, magra de preto, ali, no meio da cozinha se me afigura hoje, uma visão apocalíptica). Deve ter feito alguma coisa vergonhosa. Sentou de novo e deixou-se ficar muda embalando o corpo para frente e para trás, os olhos no chão apertando o xale de encontro ao peito. Ergueu o rosto e pareceu notar as pessoas que a cercavam. Ela devia ter algum namorado. Quem? Foi quando me viu. Estendeu a mão e com os dedos longos e magros lançou o braço na minha direção. Recuei assustada, encostando-me na negra. Ela defendeu-me:
- Ora, D. Rosa, que pode saber uma criança? Se Virgínia tivesse um namorado teria trazido para a senhora conhecer. Tão boa filha.
- Boa filha, boa filha. Isso é o que pensavam. Aí está a bondade dela. Na hora em que ia dar aulas e ajudar nas despesas da casa me deixa sozinha. Vocês não sabem. Era brasa escondida.
A mesma voz que verifiquei era de D. Marica, voltou a observar que ela não devia falar como se fosse passado.
- Afinal ainda vive e talvez não morra.
Voltou, rápida a cabeça em direção à D. Marica:
- Será que vão me dizer até como devo falar? Repito : brasa escondida. Como o pai. Fechada como ele. Dava mais atenção para essa menina do que para mim. Pra mim era: benção, mãe, ou té logo, mãe... e quando eu me queixava dizia: nasci assim. Não temos nada pra conversar. Ai, que vida a minha. (Passou o lenço pelos olhos secos) Por que Deus tinha que me dar uma filha pra criar sem pai, e ainda ingrata? 
O médico chamou-a e ela foi para o quarto. Já devia ser a hora do almoço quando minha mãe apareceu. Um arco-íris desenhava-se no céu quando deixamos a sombria alameda de ciprestes. Caminhamos algum tempo caladas. Em dado momento me veio a pergunta:
- Ela vai morrer?
- Acho que vai.
- Não queria que morresse. Gosto tanto dela. Não vou ver ela nunca mais. Para onde vão os mortos?
- Não sei. A vida é assim. Nascemos para morrer. É, todos morremos, um dia.
- Eu pensava que as pessoas morriam quando ficassem velhas ou doentes. Virgínia não estava doente. Ainda ontem fomos à confeitaria tomar sorvete.
(Não contei que, depois do sorvete fomos até a casa de Dr. Cláudio para entregar um bilhete para o Paulo, seu namorado. Ele ficou muito branco quando leu o bilhete e, na janela mesmo, começou a escrever uma resposta. Mastigava o cigarro que não acendeu. Depois, ele amarrotou o papel e mandou o recado de que iria vê-la logo à noite).
Minha mãe voltou ao assunto:
- Não não estava doente.
- Ela quis morrer, mamãe?
- Quis.
- Como é que se faz quando se quer morrer?
- Por que quer saber? Crianças de oito anos têm outras preocupações. Pensam em brincadeiras, em coisas alegres.
- D. Marica disse que foi veneno. Para formigas?
- Não queira saber.
- É bom saber, mamãe. A gente, um dia pode querer morrer também.
Minha mãe estacou estupefata. Abaixou-se e me abraçou.
- Não repita nunca mais isso. É pecado, é errado. Ninguém pode tirar a vida de ninguém e nem a sua própria.
No fim-de-tarde desse mesmo dia voltamos à casa de D. Rosa. O movimento havia diminuído. Virgínia estava sentada na sala com o seu melhor vestido, um vestido branco com listras azuis.(Notei a boca queimada). Meus lábios tremeram e., a custo, contive as lágrimas. Acenou para que eu fosse até ela. Abraçou-me com força e me encostou junto a ela. Com o dorso da mão direita fez-me uma carícia na face. Minha mãe não se conteve:
- De quem foi essa idéia de tirá-la da cama? Ela não está em condições de ficar aqui.
- Foi minha idéia. Eu é que decido o que é bom pra minha filha. Estamos esperando o fotógrafo.
Virgínia pousou o olhar na mãe, um olhar demorado e avaliador. Ia me afastar e ela me reteve, apertando de leve minha mão. O silêncio era imenso. Escutava-se apenas a algazarra dos pardais que se recolhiam nos ciprestes.
O fotógrafo chegou e seu sorriso se desvaneceu.
- Pensei que era um aniversário.
D. Rosa apontou Virgínia:
- É ela que vai tirar fotografias.
Falou o fotógrafo:
- Não seria melhor deixar para um outro dia. Quando ela estiver bem?
A voz fria e áspera de D. Rosa fez-se ouvir:
- Ela não vai ficar boa. Se não quiser tirar eu chamo outro.
- Não seja por isso. Vou tirar. É uma opinião.
- Ninguém lhe pediu opinião.
O rapaz preparou a máquina dirigindo-se à Virgínia:
- Como é que você quer? Só o rosto?
Do canto onde estava respondeu D. Rosa:
- Corpo inteiro. De frente e de perfil e quero que fique embaixo do retrato do pai dela para ele aparecer também.
Assim que o rapaz se foi, minha mãe, com delicadeza deitou Virgínia no divã. D. Rosa atirou-se em cima dela, sacudindo-a com violência pelos ombros:
- Diga, diga por que fez isso, sua infeliz. Diga. Não pode morrer sem me dizer.
Ao ter certeza de que jamais teria resposta, permitiu que a arrastassem para o quarto. Desvairada, cabelos defeitos, fazia-se escutar longe:
- A fotografia. A fotografia. A fotografia me dirá.


Referências:
MUNIZ, Léa. A Fotografia. Reproduzido por DIZ, Laura. Blog Caminhar. Disponível em <http://lauravive.blogspot.com/2007/02/conto-fotografia.html>. Acesso em 25 de julho de 2011.
PALACIOS, Fernando R. A contextualização criativa de histórias como fator de sucesso no planejamento de campanhas de comunicação. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes: Departamento de Relações Públicas,Publicidade e Turismo. Curso de Relações Públicas. São Paulo, 2007.

domingo, 24 de julho de 2011

Leitura de obras de arte, presenças do indivíduo e do contexto

Copiado deThe Reference Desk at TFPL 


Paulo Roberto Gomes Pato
Doutorando em Ciência da Informação - UnB

“Minha tese era de que fatos sociais favoreciam o desenvolvimento de faculdades e hábitos visuais característicos, que se transformavam por sua vez em elementos claramente identificáveis no estilo do pintor.” (BAXANDALL, p. 9)

"[(...) Para reconhecer a autoria de uma obra de arte] é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis, dos quadros: os olhos erguidos para o céu dos personagens de Perugino, o sorriso dos de Leonardo, e assim por diante. É preciso examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as unhas, a forma dos dedos das mãos e dos pés.” (GINZBURG, p. 144, 1991)

O excerto de Ginzburg se refere a Giovanni Morelli, que publicou uma série de artigos entre 1874 e 1876, encoberto sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff. Esses escritos apresentavam princípios para a análise de obras de arte. O “método morelliano” consistia em analisar as obras, procurando separar originais de cópias, por meio de uma minuciosa observação de detalhes, ou seja, indícios reveladores característicos da autoria. Assim, a análise e catalogação de características das figuras presentes nas pinturas, esculturas, (os lóbulos das orelhas, as unhas, etc.), de obras sabidamente originais, estabeleciam uma gramática particular que vinculava autor e estilo, sinais reveladores do pintor. O falsificador, ou imitador ou mesmo um discípulo, prendia-se, ao copiar, na configuração geral das obras do imitado, nas suas preferências composicionais, cores, etc. Porém, os detalhes, alvo da análise morelliana, eram ignorados ou tratados grosseiramente, revelando assim as falhas das cópias e falsificações.

Para Baxandall, as condições de produção das obras do Renascimento, geralmente sob encomenda, os materiais empregados, as relações sociais e o contexto foram elementos condicionadores do estilo geral do pintor, e da época. Observa Baxandall que “não existem dicionários para a linguagem dos gestos na Renascença, embora haja fontes que oferecem algumas indicações sobre o significado de um gesto: elas têm pouca autoridade e devem ser usadas com prudência, mas pelas indicações que encontramos de seu recorrente uso nas pinturas podemos supor que são pertinentes. (BAXANDALL, p. 65). Assim, os elementos exteriores ao artista eram, numa certa medida, condicionadores fundantes do seu estilo.

Portanto, se para Morelli importa o detalhe revelador, índice típico do autor, a Baxandall mais vale a configuração geral da obra, que estaria assim permeada pelas condicionantes da época, do contexto, e definiam o estilo.

Entendemos que as duas propostas de leitura de obras de arte não são excludentes, embora conflitantes. Pelo contrário, são complementares e podem, juntas, estabelecer uma terceira via para uma leitura mais profunda das obras. A visão de Morelli estabelece o individual presente nas obras, e a de Baxandall aponta para o contexto de produção, revelando sinais da época e suas influências sobre o artista.

REFERÊNCIAS
  • BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Paz e Terra.
  • GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras. 1991.  

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ilusão ou educação visual?

A percepção das imagens sob a perspectiva nos leva a crer em uma visão da realidade da qual não é verdadeira. No entanto, essa visão mais nos parece ser uma das formas nas quais fomos educados para interpretar o que vemos numa fotografia em perspectiva. As vezes fazemos isso inconcientemente por achar que o que está sendo representado é verdadeiro – mera ilusão – a perspectiva representa somente um dado da realidade: a maneira pela qual as linhas e os volumes se apresentam para o espectador. Ela é, portanto, pura aparência, mera ilusão, que resulta na intenção consciente de enganar por parte de quem a desenha, pinta, esculpe ou planeja arquitetonicamente. (NEIVA, 1994, P. 29).

Fonte: CEDOC-UNB
Vejamos a fotografia acima, se você leitor observar (poderá até medir se quiser) a abertura do túnel na foto e maior que o final do túnel. Poderá então, perceber que isso não é verdadeiro, já que as medidas e tamanho do túnel não são diferentes em sua extensão. Essa interpretação na imagem busca então nos dar uma noção de distanciamento. Então, “a variação na ordem sensível da representação quer dizer que a perspectiva não é a transposição das condições supostamente eternas do olhar. As perspectivas são construções históricas” (NEIVA, 1994, p. 32-33).

Vejamos a segunda fotografia, é outro exemplo de como a lente registra não é o que nosso olhar percebe, mas o que nossa mente interpreta em relação ao ambiente. Vejam as janelas... Assim, fica nítido que “perspectiva não representa a visão, mas é uma representação delas. Vemos da forma que não representamos, pois o olhar percebe de modo ligeiramente esférico, enquanto a perspectiva é linear. (NEIVA, 1994, p. 33).
Fonte: CEDOC-UNB
Assim, creio que temos algumas indagações e esclarecimentos, vejamos: Por que, então somos capazes de perceber uma pintura em perspectiva ou mesmo uma fotografia? Certamente porque fomos treinados para isso. “As pinturas em perspectiva, assim como quaisquer outras, têm que ser lidas; e a habilidade de leitura deve ser adquirida” (GOODMAN, apud NEIVA, 1994, p.33). O que ocorre é que nem sempre o espectador está em condições de fazer tal leitura, pois como já dissemos em outras postagem, será preciso que haja uma bagagem cultural e técnica na leitura e interpretação de uma imagem para os registros imagéticos.

Referência Bibliográfica:
NEIVA, Eduado Jr. A IMAGEM. 2 ed. São Paulo: Ática, 1994

terça-feira, 5 de julho de 2011

A fotografia no arquivo imagético: Nem tudo é o que parece ser...

Fonte: Imagem cedida pelo CEDOC-UNB
Para uma imagem fotográfica se tornar um documento de arquivo, é preciso deslocar o nosso olhar para além do que se vê, ou seja, deve-se olhar o que está por trás do que se vê. É preciso conduzir o deslocamento para  o valor informativo baseado no seu conteúdo em uma análise do percurso de produção da imagem, investigando a atuação dos envolvidos na criação do documento fotográfico. Este enfoque tem um alinhamento na visão de Lopez (2000) e Lacerda (2008) que consideram  o documento fotográfico  numa perspectiva orgânica.

Tais autores usam a diplomática como um método de análise documental na fotografia que ajuda a investigar a relação da imagem com o seu contexto funcional de criação. De acordo com eles, a análise permite problematizar as fotografias para além de sua dimensão factual e de conteúdo, descolando assim o olhar para a sua materialidade como documento (traço, vestígio, reflexo de uma ação determinada, de documentar para um propósito num tempo e num contexto específico).

Desta forma, podemos entender de acordo com Lacerda (2008, p. 122) que o autor de uma fotografia “é mais do que apenas o fotógrafo”. É um dos elos de uma cadeia de responsáveis, a qual vai desde a decisão da necessidade de documentar um fato por meio da produção de imagens, passando pelas discussões sobre como deverão ser produzidas, até o ponto em que são trabalhadas, tendo em vista uma idéia do produto final e visando compor determinada situação de comunicação dentro de um contexto administrativo e funcional.
Ademais a busca do contexto funcional é mais do que necessária para as fotografias, principalmente porque estas não trazem em si as informações das decisões metodológicas e teóricas que deram suporte a sua existência, o que difere do documento textual que já vem identificado o autor, destinatário, assunto, data, local, etc. (LACERDA, 2008).
Fonte: Imagem cedida pelo CEDOC-UNB

Nem tudo é tão simples quanto parece...

Na 1ª foto acima, temos algumas impressões, uma fachada... Iluminação direcionada... A fotografia foi tirada a noite... Será????  No entanto ela nos dá uma série de impressões que talvez não seja o que estamos vendo. Como não trás nenhuma descrição, provavelmente, iremos fazer  a descrição dela da forma que entendermos pelo que a visão nos fornece de informação. E a 2ª segunda fotografia?????? O que então poderíamos dizer...  
                                                                                       

Referências

Lopez, André Porto Ancona.  Documento de arquivo como produto/vetor do contexto histórico-cultural.  In: As razões e os sentidos: finalidades da produção documental e interpretação de conteúdos na organização arquivística de documentos imagéticos.  Tese de Doutoramento.  São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social da Fflch-Usp, 2000.

Lacerda, Aline. Fotografia como documento de arquivo. In: A fotografia nos arquivos: a produção de documentos fotográficos da Fundação Rockefeller durante o combate à Febre Amarela no Brasil. Tese de Doutoramento. São Paulo: FFLCH-USP, 2008.


Cléofas Minari Righetti
Luiz Carlos Flôres de Assumpção