quarta-feira, 16 de maio de 2018

Arquivística do Sentido # Arquivística do Metro Linear

Por Rodrigo de Freitas Nogueira

A evolução da arquivologia, enquanto disciplina do conhecimento, tem oferecido discussões significativas em relação aos desdobramentos da reconfiguração do documento de arquivo em ambiente informatizado. No que se refere aos documentos fotográficos, o autor David Iglésias Franch (2008, p.15), afirma haver um “fenómeno de la desmaterialización [que] consiste en la ausência de una estructura física de la imagen”.

Sabe-se que os efeitos da desmaterialização na fotografia incorrem no distanciamento dos elementos componentes do documento fotográfico, no qual a informação presente na imagem se distancia do suporte de registro. Essa situação propõe a diferenciação do documento fotográfico digital em relação ao documento tradicional, revelado a partir de um processo químico. Para Camargo (1993), nesse contexto,
“A prática arquivística aproxima-se da prática documentária e aponta para a situação-limite em que os documentos se destacam de sua origem, as informações se separam de seu contexto e os dados ganham autonomia em relação às informações” (1993, p.3).
A autora Ana Maria de Almeida Camargo (1993, p.2) indica ainda que os documentos de arquivo devem ser conservados em decorrência do seu valor, e acrescenta “Que valor, poderíamos perguntar? Antes de qualquer outro, o valor informativo, o valor referencial. Fecham-se assim os elos que unem informação, documento e arquivo numa cadeia, como variáveis de um sistema”. 

Esse microssistema de variáveis que associa informação, documento e arquivo pode representar a complexidade do documento de arquivo digital, no qual ao produtor é perceptível apenas parte desse microssistema. Assim, a manifestação do documento digital possibilita a visualização do conteúdo e das informações que um documento contém, essas que representam as atividades e funções do produtor. Nos bastidores, se é que podemos denominar desse modo, a extensão do microssistema documento de arquivo se completa com um conjunto diverso de registros e metadados que delimitam o contexto e as interações de produção e uso das variáveis envolvidas.

Imagem & Metadado - fonte: https://atom.unb.br/ (adaptado)

Essa arquivística que trata do documento digital e de sua complexidade, por meio da análise de informações, dados e metadados, como variáveis de um microssistema foi denominada por Vital Chomel (1975) apud Camargo (1993, p.3) como “uma arquivística do sentido, que seja ao mesmo tempo decifradora dos dados documentários e questionadora das fontes adormecidas” em oposição a uma “arquivística do metro cúbico ou linear”, que remete ao documento tradicional e sua organização com seus problemas característicos.

Referências


CAMARGO, A. Arquivo, documento e informação: velhos e novos suportes. Revista Photo & Documento, 2, 2016. http://gpaf.info/photoarch/index.php?journal=phd&page=article&op=view&path%5B%5D=26.


IGLÉSIAS FRANCH, David. La fotografía digital en los archivos. Qué es y cómo se trata. Gijón, Ediciones Trea, 2008.

Bolo de Banana, cadê os metadados?


Por Rodrigo de Freitas Nogueira

No texto da autora Antônia Heredia Herrera, A fotografia e os arquivos, original publicado em 1993, a autora aborda uma possibilidade incomum para o tratamento de documentos fotográficos no âmbito das discussões de arquivo. Corresponde a uma percepção ampliada do documento fotográfico, que inclui o tratamento arquivístico como uma possibilidade de organização de fotografias, buscando diferenciar o documento fotográfico do documento fotográfico de arquivo.

Nesse sentido, diante da constatação da diversidade de percepções que resultam da observação do documento fotográfico, cabe evidenciar que

“o arquivista sente nascer a suspeita quanto à veracidade; o jurista nega sua capacidade de prova; para o curador do museu falta à fotografia o status cultural e artístico; o historiador somente concedeu a ela um papel decorativo em suas pesquisas; e os especialistas em diplomática sequer a consideraram” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.2).
A natureza ambígua dos documentos fotográficos possibilita o emprego de diferentes técnicas de organização na gestão dos acervos, que, habitualmente, representam a necessidade dos diferentes produtores. A gestão do documento fotográfico nos arquivos compreende o esforço em evidenciar a motivação inicial do registro e de mantê-lo como fonte de prova da atividade que o gerou, que, claramente, não está expressa na imagem.

A atuação dos profissionais de arquivo, perseguindo os referenciais de produção e de contexto de uso do documento fotográfico, considerando as dimensões informativa e artística deles, induz ações para visualizar um modelo de organização que descontextualiza o documento fotográfico da finalidade de produção inicial. Para Heredia Herrera (1993), a dimensão informativa e artística do documento fotográfico
“irá determinar também a relação com os profissionais da documentação, que se manifestará na obrigação de, por um lado, fazer chegar a seus depósitos a produção preconcebida e institucional, por outro, forçar iniciativas para recuperação da produção privada e de coleções particulares” (HEREDIA HERRERA, 1993, p.5.
Fotografia 1 - fonte: acervo do autor

Um exemplo de “iniciativa para recuperação da produção” pode ser observada ao analisar a fotografia 1, ao lado, cujo registro pertence ao acervo pessoal do autor deste post. Porque essa imagem foi produzida? Quando? Trata-se de uma imagem de um bolo de banana, produzido no Café das letras, localizado no Campus Universitário Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília.

Não há registro adicional da data de produção ou outro metadado que possa indicar a motivação do produtor, há ainda a dificuldade de propor uma conexão com uma série ou conjunto que remeta às atividades desenvolvidas por esse produtor. Para diminuir o risco de atribuição de contexto alheio ao original, alguns autores recomendam tratar esse documento fotográfico como parte da coleção do produtor, ou pelo menos, acreditam que essa ação auxiliaria na diminuição do risco de recontextualização no âmbito dos arquivos.

O isolamento do documento fotográfico do seu conjunto originário compromete as referências orgânicas de produção e afasta o registro fotográfico da sua proveniência, inviabilizando a, eventual, confirmação como fonte de prova. Trata-se da impossibilidade de tratá-lo como autêntico, se tornando um novo documento ou uma representação ilustrativa de um novo contexto.

Nesse sentido, conhecer outras formas de organização ou gestão de documentos fotográficos potencializa o aproveitamento dos recursos disponíveis no documento fotográfico e estimula a diminuição da necessidade de forçar iniciativas para promover a recuperação desses documentos.

Referências


HEREDIA HERRERA, A. A fotografia e os arquivos. Revista Photo & Documento, 2, 2016.Disponível<http://gpaf.info/photoarch/index.php?journal=phd&page=article&op=view&path%5B%5D=89&path%5B%5D=68>