domingo, 19 de maio de 2019

Entre caras e caretas

Por Julia Donato


As artes manuais, como a caricatura, transmitem algo que transcende a imagem do objeto e dialoga diretamente com o espírito do espectador, diferente da fotografia que é uma representação exata e vazia de um objeto, de acordo com o entendimento de Töpffer (1852). No entanto, a partir de meados do século XIX, fotografia e caricatura começaram a desenvolver uma frutífera relação. A partir disso, a autora Andrea Cuarterolo, em seu texto Entre caras y caretas: caricatura y fotografía en los inicios de la prensa ilustrada argentina, estuda as particularidades desse fenômeno na imprensa gráfica argentina, dando atenção, principalmente, na produção da revista Caras y Caretas, cujo caráter pioneiro influenciou outras publicações ilustradas.

A autora analisou essa interação da fotografia com a caricatura a partir de três perspectivas: a fotografia como uso auxiliar da caricatura; a fotografia como referente intertextual; e a fotomontagem. Ela utilizou uma metodologia comparativa entre as fotografias conservadas no Archivo General de la Nación de Buenos Aires e as caricaturas publicadas nas revistas. Além da análise do aspecto formal da fotografia e caricatura, Andrea levou em conta a temática e ideologia relacionadas.


Caras y Caretas

Foi uma importante revista semanal da Argentina, durante os anos de 1898 e 1941. Se caracterizava pela sátira política, humor e temas da atualidade, acompanhados por elementos como a fotografia e/ou caricatura, principalmente.

Disponível aqui
Em 1982, a revista reapareceu em plena Guerra das Malvinas com o trabalho de jovens desenhistas e humoristas como Miguel Rep, Peni, José Massaroli, Mannken, Canelo, Pollini, Fasulo, Huadi, Petisuí, Enrique Pinti, Geno Díaz, Gila, Bourse Herrera, e escritores como Oscar Bevilacqua, Fermín Chávez, Miguel Grinberg, Marco Denevi, Bernardo Kordon, Roberto Mero, Helvio Botana, Eugenio Mandrini e Jorge Claudio Morhain.

Em 2005, a revista foi relançada como ponto de referência a pesquisas históricas, com os temas de política, arte e cultura. Hoje, o grupo Caras y Caretas contém:

  • Revista Caras y Caretas
  • Libros de Caras y Caretas
  • Centro Cultural Caras y Caretas
  • Cine y Documentos Audiovisuales
  • Premios Democracia

Curiosidades
-Em 2015, a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional da Espanha disponibilizou alguns exemplares da revista. Os exemplares podem ser consultados neste link.
- O site da revista pode ser visto neste link e a página no facebook neste link.
- Em 2018, o pesquisador Felipe Pereira Rissato descobriu a que pode ser a última foto do escritor Machado de Assis, publicada na revista Caras y Caretas em 25 de janeiro de 1908. A matéria completa pode ser lida aqui.

A fotografia como auxiliar

Com a invenção das placas de colódio úmido, as fotografias se tornaram mais populares, uma vez que havia a possibilidade de realizar múltiplas cópias a partir de um mesmo negativo. Então, a fotografia se converteu em auxiliar para pintores e desenhistas que a utilizaram como modelo para as suas composições. Porém, como os jornais e revistas da época só poderiam colocar as fotografias como anexo e como esse processo era caro, as fotografias eram tomadas como modelos e transformadas em desenhos, litografia ou gravuras. Os ilustradores satíricos se aproveitaram disso para dar vida a suas composições.




A fotografia como referente intertextual

Os caricaturistas usavam a imagem fotográfica como referência intertextual, atribuindo-lhe um papel central a decodificação da mensagem humorística ou irônica de suas ilustrações. Muitas vezes, a caricatura fazia referência a fotografias já publicadas em outra edição da revista. Este tipo de caricatura apelou a um receptor visualmente informado, ávido consumidor de imagens, como de fato foi o leitor de Caras y Caretas. Por meio dessa ligação constante de imagens dentro da própria revista, foi proposto um jogo auto-referencial, cujo propósito era, evidentemente, a criação de uma certa cumplicidade com aquele leitor fiel que comprou a publicação semanalmente. Esse treinamento visual foi algo que a revista fomentava, por meio de concursos fotográficos em que um fragmento de uma fotografia publicada era mostrado aos leitores e eles deveriam identificar em que número e com qual epígrafe aparecia.



A fotomontagem: a fotografia como componente

Se a imagem fotográfica era uma ferramenta e, às vezes, uma inspiração para caricaturistas, a caricatura serviu de forma semelhante aos fotógrafos, como evidenciado pelo extenso uso que essas publicações fizeram da fotomontagem. Caras y Caretas popularizou dois tipos de fotomontagens: aquelas que combinavam fotografia e caricatura e aquelas compostas inteiramente por fotografias.




Considerações finais

A inclusão de fotografias, desenhos e ilustrações e a relação dessas imagens entre si levaram a uma mudança comunicativa no leitor no que diz respeito ao objeto impresso. A coexistência de caricaturas com os seus modelos fotográficos trouxeram um jogo entre o realismo da fotografia e a deformação paródica da caricatura. Apesar de defender a objetividade e veracidade das fotografias, a revista fez da manipulação fotográfica e do humor uma de suas características distintivas.


Referências

CUARTEROLO, A. Entre caras y caretas: caricatura y fotografía en los inicios de la prensa ilustrada argentina. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 44, n. 47, p. 155-177, 13 jul. 2017.
TÖPFFER, R. De la plaque Daguerre. À propos des excursions daguerriennes. Paris: Joël Cherbuliez, 1852. p. 233-282.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

La fotografía irónica durante la dictadura militar argentina: un arma contra el poder

Cora Edith Gamarnik

Por Rafael Dias da Silva


A ironia foi historicamente um campo de grandes possibilidades para as artes e cultura em geral. Muitas vezes foi usada como motor de criação artística pelo seu potencial para descobrir paradoxos, marcar contradições e fazer críticas contundentes com uma dose de humor. No cinema, literatura, quadrinhos e teatro, encontramos exemplos semelhantes. No campo da fotografia, é uma estratégia muito procurada e usada, mas ainda pouco estudada. Na Argentina, durante a última ditadura militar (1976-1983), a fotografia irônica foi transformada em uma ferramenta de denúncia, que tornou possível saltar as barreiras da censura, ajudando a demonstrar o consenso, terror e indiferença que o regime militar tinha conseguido instalar.

Neste artigo é analisado um corpus de fotografias selecionados pelos próprios repórteres gráficos para serem expostos nas mostras de jornalismo gráfico que foram realizadas durante a últimos anos da ditadura militar e/ou que foram publicadas em livros que compilaram uma seleção de fotografias de imprensa. 


Enganando a censura

Durante os primeiros anos de ditadura e até a Copa do Mundo disputada na Argentina em 1978, a imagem na imprensa foi caracterizada pela ausência de inovações. As tentativas de revalorizar seu espaço na imprensa, que tinha ocorrido nos anos que antecederam o golpe de Estado desapareceram. Na superfície política nacional, parecia haver um país ordenado, sem conflitos e os fotojornalistas se dedicavam essencialmente a cobrir atos militares, eventos esportivos ou espetáculos. O regime pautou desde seu primeiro dia, as imagens que não podiam circular porque eram contrários ao "espírito nacional". Desta forma, estavam proibidas imagens que mostravam uma visão diferente ao cânone oficial sobre família, juventude, sexualidade, religião, segurança e as próprias forças armadas: mostrar o rosto de uma mãe procurando por seu filho desaparecido estava absolutamente proibido, bem como também publicar a foto de uma pessoa nua.

A ditadura militar na Argentina pretendia homogeneizar a sociedade e realizou, com o apoio de uma imprensa cúmplice, uma construção de mídia que transformou os membros da Junta de Governo, que já tinha entre seus objetivos um plano sistemático de tortura, desaparecimento e morte, em homens probos que salvariam o país do caos.

Contra isso, por interesse profissional, por convicção política e em alguns casos, para ambos ao mesmo tempo, alguns fotógrafos procuraram uma maneira de tirar fotos por fora das orientações da empresa que eles trabalharam. Eles fizeram um trabalho comprometido politicamente e inovador do ponto de vista estético, mesmo sob aquelas circunstâncias. Eles procuraram fotos desafiadoras, transgressivas e irônicas evitando a censura e repressão que prevalecia. A imagem, especialmente pela ambiguidade das leituras e pela capacidade metafórica que caracteriza a linguagem visual, foi então constituída em um dos mecanismos de representação que permitiram fazer referência aos temas ausentes nos textos escritos. Graças a essa prática, muitos fotógrafos no final da ditadura tinham em sua posse uma importante quantidade de imagens de alta qualidade, que nunca haviam sido publicadas ou que previamente haviam sido censuradas.


O poder da ironia

A fotografia irônica, característica do fotojornalismo argentino durante a última ditadura militar, teve uma intenção explícita de ridicularizar aqueles que detinham o poder repressivo da época, o que a transformou em uma ferramenta eficaz de denúncia.

Os fotógrafos buscavam obter imagens que mostravam as consequências econômicas e sociais da ditadura e as primeiras ações das Madres de la Plaza de Mayo e outros parentes na busca pelos detidos/desaparecidos. Eles tiraram fotografias que sugeriam repressão ou que mostravam uma vida cotidiana opressiva e militarizada. Alguns assumiram um risco de tirar fotos de cenas intimidadoras. Eles também procuraram por imagens transgressoras que não responderam ao cânone oficial permitido. Por último, enfrentando a construção da imagem oficial dos militares como homens honrosos, corajosos e acessíveis, os fotógrafos procuraram o gesto, a careta, o passo em falso, o ângulo que os faria parecer ridículos. Eles tiravam fotografias irônicas, com duplo sentido, através das quais zombavam do poder militar. Esse último tipo são aqueles que são analisados no presente trabalho.

Esta fotografia irônica combinou características típicas da cultura popular, onde escárnio e sarcasmo estão presentes frente aos poderosos, com uma tradição anterior na fotografia argentina, especialmente do exemplo e dos ensinamentos de Jorge Aguirre (Figura 1), um fotógrafo que a nova geração de repórteres, surgida nos anos setenta respeitavam, e a quem, de alguma forma, imitavam.

Figura 1 - Desfile militar na Argentina. 1963
Fotografia: Jorge Aguirre
Fonte: Fototeca Argra (Asociación de Reporteros Gráficos Argentinos)

Aguirre conseguiu captar na cidade de Buenos Aires das décadas de sessenta e setenta as imagens nas quais a contradição, o absurdo e o acaso estavam presentes. Com uma visão quase antropológica da cidade, ele conseguiu alcançar uma "distância irônica" que lhe permitiu exercer uma crítica sutil e não "panfletária" da realidade, como ele mesmo afirmava.

Apesar da situação de terror que reinava na época, muitos fotógrafos ultrapassaram os limites estabelecidos pela censura e criaram um contra discurso visual que se opunha ao que podia ser visto nos jornais e revistas. Isto é claramente visto nas imagens de Guillermo Loiácono (Figura 2). Estas fotografias capturaram a experiência de "paparazzi" que muitos repórteres tinham por sua própria prática de trabalho. Desta forma, uma ferramenta típica da imprensa sensacionalista e comercial foi adaptada e transformada em uma ferramenta de denúncia.


Figura 2 - J. Martinez de Hoz, ministro de Economia, 1976-1981
Fotografia: Guillermo Loiácono
Fonte: Archivo Loiácono / Archivo General de la Memoria / Ex-ESMA

O olhar do fotógrafo que procurava essas imagens não era ingênuo, era um olhar político diante do poder e diante dos poderosos. Essas fotografias não foram tiradas por acaso, mas feitas conscientemente esperando o momento certo. Há implícita nelas uma atitude crítica em relação à realidade, uma distância que se diferencia radicalmente da indiferença.

Desde o final de 1981 e ao longo de 1982 e 1983, aconteceram diferentes manifestações públicas contra a ditadura e os fotógrafos cobriram esses fatos. A partir de então, observa-se que as ordens de repressão com relação ao trabalho dos repórteres começam a mudar. Enquanto nos primeiros anos do governo militar os repórteres realizavam seu trabalho publicamente sem grandes dificuldades, a partir de 1981 a perseguição, o espancamento e o roubo de rolos passaram a fazer parte da rotina de seu trabalho diário. Se até então os militares haviam confiado na censura e na autocensura da mídia, isso agora era insuficiente. Havia que impedir não apenas a publicação das imagens, mas também a sua própria produção.


Contra o modelo visual imposto pela ditadura

O corpus de fotografias que foi analisado neste trabalho é composto, em geral, por imagens dos militares que detinham as posições mais importantes do regime, membros da igreja e civis que os acompanharam, com gestos, atitudes e poses que os ridicularizam, mostrando-os em atitudes suspeitas ou desajeitadas (Figura 3). Muitas fotografias procuravam especificamente destacar as características expressivas em seus rostos, os copos de uísque em suas mãos, as atitudes corporais de arrogância, os olhares sombrios (Figura 4). Outras focavam em suas roupas, poses ou gestos que os mostravam como tolos (Figura 5).

Figura 3 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Guillermo Loiácono
 Fonte: Archivo Loiácono / Archivo General de la Memoria / Ex-ESMA

Figura 4 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Horacio Villalobos
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo 

Figura 5 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Omar Torres
 Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo 

Em algumas dessas fotografias, o ângulo e o enquadramento são fundamentais. Em outros casos, são focados os detalhes do vestuário e também é utilizado o uso metafórico de elementos visuais, como fumaça de cigarro (Figura 6). Em muitas das imagens analisadas, o "humor" expresso não é engraçado, são na verdade recursos visuais, tomando ângulos e superposição de elementos nos quais prevalece um componente crítico e/ou de confronto para desqualificar o fotografado (Figura 7).


 Figura 6 - General Osiris Villegas
Fotografia: Rafael Calviño
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo

 Figura 7 - Desfile militar na Argentina. 1979
Fotografia: Silvio Zuccheri
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo

De acordo com a autora, estas imagens mostram como um grupo de repórteres gráficos, através de sarcasmo, zombaria e humor conseguiram instalar na memória coletiva imagens opostas ao discurso oficial naqueles anos. Tiradas nos piores anos da ditadura, são fotos que ajudaram a demonstrar o consenso, o terror, a indiferença e o ceticismo que o regime conseguiu gerar e permitiu a expansão do repertório visual disponível. Esses fotógrafos deixaram para a história visual argentina um legado que nos permite relatar o que aconteceu durante a ditadura com imagens de alguma forma, arrancadas do poder. Eles também mostraram que a ditadura (e os meios de comunicação que apoiaram) não conseguiu fazer desaparecer a criatividade e a inovação na fotografia de imprensa, pelo contrário, o fotojornalismo argentino ressurgiu, com muita força, humor e criatividade.


Referência: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/view/12430/12417 e https://www.academia.edu/5158206/La_fotograf%C3%ADa_ir%C3%B3nica_durante_la_dictadura_militar_argentina_un_arma_contra_el_poder

domingo, 12 de maio de 2019

El Fotoperiodismo Y La Guerra de Malvinas:
Una Batalla Simbólica

Cora Gamarnik

“El paso que acabamos de dar se ha decidido sin tener en cuenta cálculo político alguno”.
L. F. Galtieri, presidente de facto, mensaje al país, 3 de abril de 1982

 Por José Henrik Zomer

A fotografia de imprensa durante o conflito das Malvinas - e o uso subseqüente dessas imagens - faz parte das batalhas simbólicas que ocorreram em torno da guerra entre a Argentina e a Grã-Bretanha em 1982.

Para o público em geral, a "guerra" só poderia ganhar visibilidade através da mídia. Estes foram de fato transformados em um espaço de batalha extra, enquanto as fotografias da imprensa faziam parte dela.

Jornais e revistas de massa tornaram-se a espinha dorsal do apoio à "recuperação" das ilhas e a fotografia desempenhou um papel funcional nessa história, mas não como mera ilustração, mas como protagonista.

Fotografias de imprensa são transformadas em ferramentas privilegiadas para a construção de sentido e análise histórica. São também "veículos de memória" através dos quais se constrói uma visão da história.3 Portanto, consideramos que as fotografias da imprensa obtidas e publicadas durante a Guerra das Malvinas em geral, e em 2 de abril de 1982 em particular, foram parte das batalhas simbólicas que ocorreram (e ainda ocorrem hoje) ao reconstruir, lembrar ou comemorar o conflito.


Antes de Malvinas

Em março de 1982 a ditadura militar argentina atravessava um crise de legitimidade frente aos organismos de direitos humanos com publicações de detentos desaparecidos concomitante a uma crise econômica, surgindo a mobilização “Pão, paz e trabalho”, marcha reprimida com veemência pela polícia. Ademais a repressão, fotógrafos capturaram imagens que vivificaram a manifestação e o regime ditatorial, golpeando, arrastando e detendo manifestantes. 
1. Buenos Aires, 30 de marzo de 1982. Fotógrafo: Daniel García.


A partir desses acontecimentos, começou-se a reprimir mais do que antes os fotógrafos de imprensa, pois era necessário impedir a publicação de imagens. A marcha evidenciou um nível de mobilização popular graças aos fotógrafos.

2. Buenos Aires, 30 de marzo de 1982. Fotógrafo: Pablo Lasansky

Três dias depois dessa mobilização, quando centenas de manifestantes ainda estavam sendo detidos, as forças armadas desembarcaram, surpreendentemente para todo o país (embora não para alguns meios de comunicação), nas Ilhas Malvinas.

O desembarque não foi uma resposta à manifestação de 30 de março, como é dito sem nenhum apoio histórico, mas sem dúvida estão conectadas.

A partir de 2 de abril, a Argentina se transformou em um cenário em que a "unidade do povo e do governo" contra o "colonialismo inglês" era representada dia após dia. As fotos publicadas de forma homogênea em toda a imprensa ajudaram a forjar a imagem do apoio monolítico à decisão da Junta Militar.

3.Buenos Aires, 30 de marzo de 1982. El reportero gráfico Román Von Ekstein es perseguido por la policía. Fotógrafo: Lucio Solari.


Malvinas: Desembarque e a tomada da ilha

Operação Rosario, como foi chamado a operação da tomada das ilhas pela ditadura Argentina, baseou-se em duas premissas falsas e contraditórias: a primeira era que antes da ocupação militar das ilhas, a Grã-Bretanha não reagiria militarmente, mas apenas diplomaticamente em fóruns internacionais; e a segunda, que os Estados Unidos não apoiariam a Grã-Bretanha no caso de um eventual conflito.

Do mesmo modo, a decisão de “recuperar” as ilhas se baseavam em questões complexas, a Junta Militar Argentina estar desprestigiada por conta da crise econômica e por denúncias de repressões ilegais frente ao sentimento popular de reclamar a soberania territorial nas ilhas.

4. Buenos Aires, 30 de marzo de 1982. El reportero gráfico Rudy Hanak perseguido por un policía. Fotógrafo: Mario Manusia.

Segundo a opinião de muitos investigadores, as verdadeiras razões para o desembarque eram a estreita relação entre a crise econômica e a política institucional que a Junta Militar estava passando e a idéia de "encontrar um assunto que galvanizasse a opinião pública para se livrar das pressões internos”.

Foram definidas três diretrizes para a execução da captura das ilhas:
- O segredo militar absoluto (a “recuperação” começou a ser desenvolvida no final de 1981);
- Que não haveria baixas inglesas ou kelpers (residentes); e
- Que duraria o mínimo possível.

A idéia original era pegar as Malvinas, deixar cerca de quinhentos homens nas ilhas e continuar as negociações através do canal diplomático. As forças armadas planejaram o desembarque como um grande ato simbólico para depois retirar e negociar.

Para apresentar o feito, em 26 de março daquele ano, a junta desenhou realizar uma foto falsa, levando 3 especialistas, dois cronistas (José María Enzo Camarotti, especialista em temas militares do diário La Razón, e Salvador Fernández, do diário La Nueva Provincia, de Bahía Blanca12) e um fotógrafo, Osvaldo Zurlo, também de La Nueva Provincia, cuja tarefa era usualmente fotografia os exercícios na Marina da Bahía Blanca, totalizando um contingente de 914 homens.

No dia 2 de abril, às 10 horas, a rádio e a televisão argentinas transmitiram o primeiro comunicado da Junta Militar, anunciando que, em uma ação combinada das três forças, o país "recuperou" as Ilhas Malvinas.


O falso Iwo Jima

A única foto de O. Zurlo durante o desembarque de 2 de abril foi de um soldado inglês dobrando sua bandeira. As demais são de militares argentinos em postos de comandos ou fotos dele próprio.

5. Tapa del diario La Nueva Provincia, 3 de de abril de 1982.

O Estado-Maior distribuiu as agências de notícias locais e a mídia em geral, outra foto da captura das Malvinas, onde cinco soldados foram vistos segurando uma bandeira argentina, de autenticidade questionável, visto não se tratar de uma telefoto e não ter nenhum avião voltado da ilha nesse tempo (a foto foi disponibilizada no mesmo dia, poucas horas após o desembaque).

De qualquer forma, vários jornais matutinos publicaram em sua capa no dia seguinte. Na verdade, era uma foto armada no terreno da Escola de Mecânica da Marinha (ESMA), imitação da famosa fotografia de Joe Rosenthal, fotógrafo da agência The Associated Press, em Iwo Jima, Japão, em 1945.
 6.Foto tomada en la ESMA (Escuela de Mecánica de la Armada). Probablemente el 1 de abril 1982.



As fotos de 2 de abril: a rendição inglesa

As fotografias que ficaram mundialmente famosas sobre o desembarque argentino e a rendição inglesa não foram as originalmente planejadas, pelas Forças Armadas Argentinas e sim as obtidas na madrugada de 2 de abril de 1982 pelo fotógrafo Rafael Wollmann, demitido da revista Gente y la Actualidad por contenção de custos (juntamento com outros 3 fotógrafos, Eduardo Bottaro, Tito La Penna e Silvio Zuccheri, que posteriormente fundaram uma agência independente, denominada Imagen Latinoamerica ILA) e estava trabalhando nas Malvinas como correspondente internacional para  editoriais como a francesa Gamma., que aceitou uma proposta de documentar a ilha.

Como Wollmann falava bem inglês, realizaria a reportagem e, graças a conhecidos argentinos, consegui a “tarjeta blanca”, documento para acesso livre às ilhas, emitido e aprovado de forma conjunta entre a embaixada Inglês e Chancelaria Argentina.

Em 23 de março Wollmann viajou às ilhas, estando junto ao governado inglês, registrando paisagens, moradores, flora e fauna. Em 30 de março, Wollmann já havia terminado o trabalho para a Gamma, mas seus colegas da ILA, sabedores da movimentação, pediram a ele que ficasse mais alguns dias "apenas no caso".



As imagens da “humillación”

Wollmann não era o único fotógrafo na ilha em 2 de abril. Estavam os fotógrafos levados pelas Forças Armadas Argentinas, jornalistas ingleses e soldados argentinos que levaram suas câmeras. Sabe-se que registraram-se muitas imagens daquele dia, porém nenhuma com a qualidade, capacidade de síntese e a repercussão que as realizadas por Wollmann.

“El primero de abril estaba cenando cordero en el comedor del Upland Goose Hotel, de Port Stanley. A las ocho se interrumpió la transmisión radial y el gobernador inglés, Rex Hunt, anunció con voz pausada y nerviosa la invasión argentina. Todos en el comedor me miraron a mí. A los pocos argentinos residentes en Malvinas los llevaron a la Municipalidad pero a mí me respetaron mi condición de reportero gráfico y me pude mover con libertad. Tratando de pasar lo más desapercibido posible pude registrar todo lo que sucedió […]. Sin querer, esa noche, de cronista de costumbres pasé a corresponsal de guerra”, relata Rafael Wollmann.

Wollmann ficou hospeda na junto a residência oficial do governador Rex Hunt, onde, ao amanhecer, registrou suas primeiras fotos: após uma troca de palavras e tiros entre os militares ingleses e argentinos, os britânicos se rendem e, ao lado da casa do governador, os soldados começam a entregar suas armas. Wollmann saiu da casa e começou a registrar fotos da situação. Como os argentinos trouxeram fotógrafos, não viram problemas em Wollann realizar os registros e ele pode fotografar sem censura inglese nem militar argentina.

Estavam na casa do governador quando chegou a notícia de que os prisioneiros foram colocados “cuerpo a tierra” para serem revistados. Carlos Büsser (chefe do Corpo de Fuzileiros Navais da Argentina, encarregado de dirigir a operação de pouso nas ilhas) de rapidamente resolver a situação, visto os ingleses já terem se rendido, porém Wollmann já havia realizado os registros.

As fotos que se tornariam o símbolo da humilhação britânica na imprensa internacional foram duas:
i. Andando com os braços erguidos sob o comando de Jacinto Batista; e
ii. Jogados de corpo a corpo enquanto os comandos argentinos estão com suas armas.

Nas duas fotos você pode ver uma composição cuidadosa, na qual o fotógrafo congela o momento certo da ação. Em ambos combinam o fato histórico transcendente e a boa composição visual que resume esse evento. Estas fotografias são, usando a famosa construção teórica realizada por Cartier Bresson em 1952, momentos decisivos. É uma concepção dominante no fotojornalismo, segundo a qual o repórter deve tentar capturar os eventos da forma mais fiel possível e com um nível mínimo de interferência. O papel do fotógrafo é, nesses casos, ser uma "testemunha" que não deve estar diretamente envolvida ou alterar os eventos que estão se desenvolvendo. Seu trabalho é gravar o que vê.

7. Islas Malvinas, 2 de abril de 1982. Fotógrafo: Rafael Wolmann.

8. Islas Malvinas, 2 de abril de 1982. Fotógrafo: Rafael Wolmann

“Mi salvoconducto principal era hablar castellano y que ellos pensaran que, de alguna manera, por algo estaba yo ahí. Que no vine en su barco, pero vine en el de al lado, en un Hércules […] y yo traté y logré pasar desapercibido. No me engolosiné. De la foto de la rendición tengo dos cuadritos, de la foto de los ingleses en el piso tengo dos cuadritos, no tengo veinte. Como todos estaban ocupados, todos tenían una función. Imaginate, ¡se estaban rindiendo los ingleses con las manos en alto! No me iban a preguntar ¿vos quién sos? Si alguien me miraba dos veces, me iba a otro lado”, relata Rafael Wollmann.

A fotografia outorga as imagens nelas retratadas como valor de prova e a imagem dos ingleses rendidos, quando circularam internacionalmente, gerou receio sobre rebelião em colônias.

A maioria das fotos da imprensa é totalmente paradoxal: ancoradas na realidade, "arrancadas do presente", chegam tão bem ao público e permanecem tão tempo na memória coletiva que provocam precisamente interpretações que ultrapassam o evento em si."

A fotografia traz consigo as possibilidades de ficção, simulação e ilusão realista (Vilches, L, 1997, 20). Enquanto o que é visto lá aconteceu, a história não é exatamente como a imagem mostra. Dos ingleses deitados no chão, o fotógrafo obteve duas fotografias, em uma pode-se vier que a maioria deles permanece deitada enquanto na segunda há vários em pé.

São fotos que contradizem o resultado da guerra visto que um pequeno instante entre elas resulta em análises distintas e na derrota Argentina.

9. Islas Malvinas, 2 de abril de 1982



A rota das Fotos

Em 3 de abril a ditadura argentina envia 40 jornalistas e fotógrafos para documentar o desembarque das tropas, deixando-os 4 horas para fotografarem livremente. No regresso, Wollmann sobe e retorna ao continente com eles. Wollmann, por precaução, distribui as fotos entre ele, Eduardo Forte do editorial Atlántida e Silvio Zuccheri, seu companheiro na ILA, mas o desembarque foi tranquilo, sem revistas.

A partir de então, a ILA começa a negociar com a Gamma e com a Atlántida a vendas fotografias. O editorial Atlántida ofereceu dar à agência Gamma os originais, fazer cópias e duplicatas enquanto guardava as cópias. A ILA aceitou recebendo US $ 18.500, o equivalente a dois departamentos da capital federal, mais o custo do avião e do laboratório.

Durante a primeira quinzena de abril, essas fotos foram publicadas nas primeiras páginas de grande parte da imprensa internacional, deixando Inglaterra em imagens de rendição, deitados aos pés dos argentinos ou com as mãos levantadas, por desconhecidos soldados sul-americanos. 


10. Portada Daily Mail. 5 de abril, 1982. Archivo de Rafael Wollmann.
11. Portada The Sun. 5 de abril, 1982. Archivo de Rafael Wollmann.
12. Portada revista L’ Espresso. Año XXVIII. 8 de abril de 1982
13. Portada revista VSD. Nº 240. 8 de abril de 1982.
14. Páginas de Illustré, Nº 15, 14 de abril de 1982.
15. Revista Gente y la actualidad, Número 872, 8 de abril de 1982.


A revista Gente teve a exclusividade para publicar as imagens na Argentina e, em 8 de abril de 1982 publicou seu número 872 com o título: “Vimos rendirse a los ingleses” (Nós vimos a rendição britânica) e subtítulo: “El desembarco. La resistencia. El tiroteo. La victoria. El 2 de abril, día de la recuperación de las Malvinas, fuimos el único medio periodístico que estaba allí. Las fotos exclusivas que sólo verá en Gente” ("O pouso. Resistência. O tiroteio A vitória. No dia 2 de abril, dia da recuperação das Malvinas, fomos o único jornal que estava lá. As fotos exclusivas que você só verá em Gente. "



Perguntas, usos e apropriações

A hipótese levantada pela autora é de que as fotos não foram inócuas, onde, analisando as respostas inglesas materiais e simbólicas contra o desembarque Argentino levou em conta a disponibilização das imagens na mídia internacional, prevalecendo na população Inglesa um sentimento geral de descrença e humilhação.

Em um contexto de declínio do Império Britânico (algo que vinha acontecendo desde a Segunda Guerra Mundial) a publicação destas fotos, que Didi Huberman chama de "eventos visuais”, "provou" e "mostrou" o que tinha acontecido as ilhas e o tratamento que tinham recebido seus soldados, fatores que colaboraram para dar mais argumentos aqueles que propuseram rotas de ação direta, evitando assim qualquer negociação possível com a Argentina.

A afronta das Forças Armadas da Argentina, que as fotos ajudaram a se espalhar e amplificar com o poder internacional, tornou a negociação inviável e os britânicos precisavam de uma vitória impressionante, tinham que provar que ainda eram um poder, mesmo que fosse simbólico.

Hoje já sabemos que, em termos de política mundial, a guerra não fazia sentido, era desnecessária e poderia ter sido evitada. O conflito vencido pelos ingleses deixou como saldo 746 soldados argentinos mortos e mais de mil feridos. Segundo dados oficiais britânicos, 255 soldados britânicos morreram e 777 ficaram feridos, sem contar suicídios decorrentes dos efeitos da guerra.

Para as forças conjuntas que comandaram o pouso argentino, eram fotografias que não tinham em seus planos e que de alguma forma saíram do controle. Não foi o que eles planejaram originalmente. Sua intenção não foi humilhar o britânico, mas fazer um ataque sem derramamento de sangue, um ato simbólico com a hipótese de dar um golpe e, em seguida, sentar e negociar. Mas a ação em si, as imagens e sua disseminação escaparam de seu controle.

Nesse sentido, essas fotos não ajudaram em seus fins e os fatos corroboraram isso.

Porém, militares argentinos ainda hoje testemunham que foi um sonho realizado e motivo de orgulho nacional, e essas fotos os enchem de orgulho.

Para a revista Gente, foi um inquestionável "sucesso jornalístico", posicionando-se como a primeira em vendas durante todo o conflito, tornando um dos principais meios de apoio à “recuperação” das ilhas.

Para a agência Gamma, o acordo com a ILA foi uma surpresa que lhe permitiu obter um sucesso internacional retumbante, em que conseguiu suas fotos nas primeiras páginas dos principais periódicos mundiais.

A autora finaliza o artigo relatando que para o fotógrafo e para a agência ILA, há um antes e depois dessas fotos. As Malvinas representaram um "divisor de águas" em suas carreiras profissionais, principalmente graças ao profissionalismo de Wollmann com fotografias de qualidade e simbolismo gerando impacto nos intervenientes.

Referências:
https://www.academia.edu/28535909/El_fotoperiodismo_y_la_guerra_de_Malvinas_una_batalla_simb%C3%B3lica_Fotografia_e_historia_en_America_Latina_-_Cora_Gamarnik_225-256.pdf