segunda-feira, 13 de maio de 2019

La fotografía irónica durante la dictadura militar argentina: un arma contra el poder

Cora Edith Gamarnik

Por Rafael Dias da Silva


A ironia foi historicamente um campo de grandes possibilidades para as artes e cultura em geral. Muitas vezes foi usada como motor de criação artística pelo seu potencial para descobrir paradoxos, marcar contradições e fazer críticas contundentes com uma dose de humor. No cinema, literatura, quadrinhos e teatro, encontramos exemplos semelhantes. No campo da fotografia, é uma estratégia muito procurada e usada, mas ainda pouco estudada. Na Argentina, durante a última ditadura militar (1976-1983), a fotografia irônica foi transformada em uma ferramenta de denúncia, que tornou possível saltar as barreiras da censura, ajudando a demonstrar o consenso, terror e indiferença que o regime militar tinha conseguido instalar.

Neste artigo é analisado um corpus de fotografias selecionados pelos próprios repórteres gráficos para serem expostos nas mostras de jornalismo gráfico que foram realizadas durante a últimos anos da ditadura militar e/ou que foram publicadas em livros que compilaram uma seleção de fotografias de imprensa. 


Enganando a censura

Durante os primeiros anos de ditadura e até a Copa do Mundo disputada na Argentina em 1978, a imagem na imprensa foi caracterizada pela ausência de inovações. As tentativas de revalorizar seu espaço na imprensa, que tinha ocorrido nos anos que antecederam o golpe de Estado desapareceram. Na superfície política nacional, parecia haver um país ordenado, sem conflitos e os fotojornalistas se dedicavam essencialmente a cobrir atos militares, eventos esportivos ou espetáculos. O regime pautou desde seu primeiro dia, as imagens que não podiam circular porque eram contrários ao "espírito nacional". Desta forma, estavam proibidas imagens que mostravam uma visão diferente ao cânone oficial sobre família, juventude, sexualidade, religião, segurança e as próprias forças armadas: mostrar o rosto de uma mãe procurando por seu filho desaparecido estava absolutamente proibido, bem como também publicar a foto de uma pessoa nua.

A ditadura militar na Argentina pretendia homogeneizar a sociedade e realizou, com o apoio de uma imprensa cúmplice, uma construção de mídia que transformou os membros da Junta de Governo, que já tinha entre seus objetivos um plano sistemático de tortura, desaparecimento e morte, em homens probos que salvariam o país do caos.

Contra isso, por interesse profissional, por convicção política e em alguns casos, para ambos ao mesmo tempo, alguns fotógrafos procuraram uma maneira de tirar fotos por fora das orientações da empresa que eles trabalharam. Eles fizeram um trabalho comprometido politicamente e inovador do ponto de vista estético, mesmo sob aquelas circunstâncias. Eles procuraram fotos desafiadoras, transgressivas e irônicas evitando a censura e repressão que prevalecia. A imagem, especialmente pela ambiguidade das leituras e pela capacidade metafórica que caracteriza a linguagem visual, foi então constituída em um dos mecanismos de representação que permitiram fazer referência aos temas ausentes nos textos escritos. Graças a essa prática, muitos fotógrafos no final da ditadura tinham em sua posse uma importante quantidade de imagens de alta qualidade, que nunca haviam sido publicadas ou que previamente haviam sido censuradas.


O poder da ironia

A fotografia irônica, característica do fotojornalismo argentino durante a última ditadura militar, teve uma intenção explícita de ridicularizar aqueles que detinham o poder repressivo da época, o que a transformou em uma ferramenta eficaz de denúncia.

Os fotógrafos buscavam obter imagens que mostravam as consequências econômicas e sociais da ditadura e as primeiras ações das Madres de la Plaza de Mayo e outros parentes na busca pelos detidos/desaparecidos. Eles tiraram fotografias que sugeriam repressão ou que mostravam uma vida cotidiana opressiva e militarizada. Alguns assumiram um risco de tirar fotos de cenas intimidadoras. Eles também procuraram por imagens transgressoras que não responderam ao cânone oficial permitido. Por último, enfrentando a construção da imagem oficial dos militares como homens honrosos, corajosos e acessíveis, os fotógrafos procuraram o gesto, a careta, o passo em falso, o ângulo que os faria parecer ridículos. Eles tiravam fotografias irônicas, com duplo sentido, através das quais zombavam do poder militar. Esse último tipo são aqueles que são analisados no presente trabalho.

Esta fotografia irônica combinou características típicas da cultura popular, onde escárnio e sarcasmo estão presentes frente aos poderosos, com uma tradição anterior na fotografia argentina, especialmente do exemplo e dos ensinamentos de Jorge Aguirre (Figura 1), um fotógrafo que a nova geração de repórteres, surgida nos anos setenta respeitavam, e a quem, de alguma forma, imitavam.

Figura 1 - Desfile militar na Argentina. 1963
Fotografia: Jorge Aguirre
Fonte: Fototeca Argra (Asociación de Reporteros Gráficos Argentinos)

Aguirre conseguiu captar na cidade de Buenos Aires das décadas de sessenta e setenta as imagens nas quais a contradição, o absurdo e o acaso estavam presentes. Com uma visão quase antropológica da cidade, ele conseguiu alcançar uma "distância irônica" que lhe permitiu exercer uma crítica sutil e não "panfletária" da realidade, como ele mesmo afirmava.

Apesar da situação de terror que reinava na época, muitos fotógrafos ultrapassaram os limites estabelecidos pela censura e criaram um contra discurso visual que se opunha ao que podia ser visto nos jornais e revistas. Isto é claramente visto nas imagens de Guillermo Loiácono (Figura 2). Estas fotografias capturaram a experiência de "paparazzi" que muitos repórteres tinham por sua própria prática de trabalho. Desta forma, uma ferramenta típica da imprensa sensacionalista e comercial foi adaptada e transformada em uma ferramenta de denúncia.


Figura 2 - J. Martinez de Hoz, ministro de Economia, 1976-1981
Fotografia: Guillermo Loiácono
Fonte: Archivo Loiácono / Archivo General de la Memoria / Ex-ESMA

O olhar do fotógrafo que procurava essas imagens não era ingênuo, era um olhar político diante do poder e diante dos poderosos. Essas fotografias não foram tiradas por acaso, mas feitas conscientemente esperando o momento certo. Há implícita nelas uma atitude crítica em relação à realidade, uma distância que se diferencia radicalmente da indiferença.

Desde o final de 1981 e ao longo de 1982 e 1983, aconteceram diferentes manifestações públicas contra a ditadura e os fotógrafos cobriram esses fatos. A partir de então, observa-se que as ordens de repressão com relação ao trabalho dos repórteres começam a mudar. Enquanto nos primeiros anos do governo militar os repórteres realizavam seu trabalho publicamente sem grandes dificuldades, a partir de 1981 a perseguição, o espancamento e o roubo de rolos passaram a fazer parte da rotina de seu trabalho diário. Se até então os militares haviam confiado na censura e na autocensura da mídia, isso agora era insuficiente. Havia que impedir não apenas a publicação das imagens, mas também a sua própria produção.


Contra o modelo visual imposto pela ditadura

O corpus de fotografias que foi analisado neste trabalho é composto, em geral, por imagens dos militares que detinham as posições mais importantes do regime, membros da igreja e civis que os acompanharam, com gestos, atitudes e poses que os ridicularizam, mostrando-os em atitudes suspeitas ou desajeitadas (Figura 3). Muitas fotografias procuravam especificamente destacar as características expressivas em seus rostos, os copos de uísque em suas mãos, as atitudes corporais de arrogância, os olhares sombrios (Figura 4). Outras focavam em suas roupas, poses ou gestos que os mostravam como tolos (Figura 5).

Figura 3 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Guillermo Loiácono
 Fonte: Archivo Loiácono / Archivo General de la Memoria / Ex-ESMA

Figura 4 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Horacio Villalobos
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo 

Figura 5 - Segunda Junta Militar, Julho 1981
Fotografia: Omar Torres
 Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo 

Em algumas dessas fotografias, o ângulo e o enquadramento são fundamentais. Em outros casos, são focados os detalhes do vestuário e também é utilizado o uso metafórico de elementos visuais, como fumaça de cigarro (Figura 6). Em muitas das imagens analisadas, o "humor" expresso não é engraçado, são na verdade recursos visuais, tomando ângulos e superposição de elementos nos quais prevalece um componente crítico e/ou de confronto para desqualificar o fotografado (Figura 7).


 Figura 6 - General Osiris Villegas
Fotografia: Rafael Calviño
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo

 Figura 7 - Desfile militar na Argentina. 1979
Fotografia: Silvio Zuccheri
Fonte: Arquivo pessoal do fotógrafo

De acordo com a autora, estas imagens mostram como um grupo de repórteres gráficos, através de sarcasmo, zombaria e humor conseguiram instalar na memória coletiva imagens opostas ao discurso oficial naqueles anos. Tiradas nos piores anos da ditadura, são fotos que ajudaram a demonstrar o consenso, o terror, a indiferença e o ceticismo que o regime conseguiu gerar e permitiu a expansão do repertório visual disponível. Esses fotógrafos deixaram para a história visual argentina um legado que nos permite relatar o que aconteceu durante a ditadura com imagens de alguma forma, arrancadas do poder. Eles também mostraram que a ditadura (e os meios de comunicação que apoiaram) não conseguiu fazer desaparecer a criatividade e a inovação na fotografia de imprensa, pelo contrário, o fotojornalismo argentino ressurgiu, com muita força, humor e criatividade.


Referência: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/view/12430/12417 e https://www.academia.edu/5158206/La_fotograf%C3%ADa_ir%C3%B3nica_durante_la_dictadura_militar_argentina_un_arma_contra_el_poder

3 comentários:

  1. Nesse contexto, é interessante comparar essa abordagem com o conceito de "Novo Fotojornalismo Mexicano", apresentado pelo pesquisador John Mraz no livro La mirada inquieta. Nuevo fotoperiodismo mexicano, 1976-1996.

    Neste livro, o autor refere-se ao surgimento de novos editores e fotógrafos no México no final dos anos setenta, que construíram um novo olhar crítico sobre a opinião pública, anteriormente impensável no regime autoritário liderado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), para o qual eles fizeram uma contribuição fundamental para o processo de transição democrática mexicana, onde também utilizaram da ironia e o senso de humor desde uma perspectiva crítica para ridicularizar a classe política.

    Na sua opinião, em quais outros países podemos encontrar outros casos de fotojornalismo irônico? E em que esse tipo de jornalismo contribuiu para uma mudança na sociedade?

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  2. O fotojornalismo irônico, apesar da inobservância de boas práticas e por vezes da ética, pode ser identificado corriqueiramente nos meios de comunicação atualmente em uso, principalmente como bases para a confecção de "memes".

    Essas fotografias tiradas em momentos inusitados que, por sua qualidade duvidosa, deveriam ser descartadas, viraram objeto de cobiça por muitos para a promoção da diversidade.

    O que, acredito, temos de "olhar com bons olhos" é o objeto originante deste, de modo a não somente "achar engraçado" o que está retratado, mas o motivo pelo qual foi realizado essa captura.

    Momentos adversos todos temos, podendo ser capturados sem nosso consentimento e publicados como verdades absolutas, induzindo o observador a acreditar que "sempre" é assim algo que pode não ser verdadeiro.

    Outra visão, também interessante, é "humanizar" o retratado de modo a transformar, normalmente, uma personalidade de acesso restrito a "um simples mortal" que comete as mesmas gafes e incorre nas mesmas imperfeições do restante da população.

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  3. A ironia é a figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender. Ao ler o texto do Rafael, identifiquei mais uma espécie de crítica do que propriamente ironia. Crítica à forma de governo, crítica à repressão, crítica aos militares e crítica à censura.

    O texto apresentado diz que essas fotografias eram uma espécie de denúncia. Porém, elas não eram veiculadas no momento da ditadura, até mesmo por conta da censura. As fotografias só foram publicadas e divulgadas após o fim da ditadura. Então, como elas poderiam ser consideradas como denúncia? Denúncia de algo que já havia acabado?

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