quarta-feira, 6 de setembro de 2017

O Papel da imagem no papel: conceitos de patrimônio fotográfico e suas implicações sociais

Por Cleber Mitchell de Lima

É a fotografia a captura fiel da realidade em um suporte físico? Pode uma imagem gravada numa folha de papel, ou em um pedaço de vidro, metal ou madeira representar a emoção de um momento, o registro de um a ação humana ou a documentação de uma atividade laboral ou intelectual?

Platão (2000) em seu livro A República, por meio do que se denomina o mito ou a alegoria da caverna, traz a ideia da captura, ou percepção – normalmente imprecisa – do mundo sensível (pelos sentidos humanos) e do mundo inteligível (pela razão) e suas implicações na realidade pragmática. Segundo esta alegoria, a realidade percebida é influenciada pela experiência pessoal e pela ótica dos sentidos, que pode variar de indivíduo a indivíduo. Isto leva a um questionamento sobre o tema em foco – a fotografia -  e sua validade quanto à captura da realidade (pelo menos a realidade percebida).

Se a alegoria da caverna expõe a imprecisão dos sentidos humanos, o incremento de outras variáveis, como o olhar do fotógrafo, a técnica fotográfica, a tecnologia do processamento fotográfico (incluindo o digital), a câmera, os dispositivos de revelação ou digitalização, bem como o suporte utilizado para a impressão ou exibição da fotografia deve provocar maiores interferências nesta realidade capturada. Aliando-se a isto, a captura de um único momento no tempo e a fixação da imagem deste momento pode alterar a percepção do conjunto de percepções daquele momento e lugar. Como no exemplo da imagem 1 abaixo, onde vemos a tentativa de um trabalhador ressuscitar um colega atingido por descarga elétrica:

Imagem 1: Foto romântica ou registro um salvamento?


Fonte: http://fotos2013.cloud.noticias24.com/11tukk.jpg

Segundo Peirce (1974), a fotografia é um signo da realidade, que por sua vez se divide em três entidades: o signo em si ou a representação, seria o significante, aquilo que é representado na fotografia; o interpretante ou referente, que oferece o significado da foto; e o objeto, que é o conteúdo da foto, ou seja, aquilo que está fora dela, no mundo dito real, representado pela impressão de sua representação em um suporte.

Além desses conceitos apresentados, observa-se o conceito de arquétipo de Jung (2011), no qual tem-se a colocação de que são conjuntos simbólicos gravados no inconsciente e que se manifestam como um psiquismo universal, ou seja, uma consciência coletiva, conceito pelo qual se pode interpretar a importância e relevância da fotografia para a sociedade, como elemento de representação da realidade idealizada.

Segundo Lacerda (2008), a fotografia surgiu em meados do século XIX e tornou-se objeto de coleção familiar e institucional. A história do surgimento da fotografia, porém, não incluiu o uso social como finalidade inicial, mas a fotografia como registro familiar ajudou a popularizar esta tecnologia. Sua gênese se deu em virtude da necessidade acadêmica de registro de informações e de uma “validade incontestável” da imagem como instrumento de documentação de atividades.

Logo em seguida, observou-se sua importância como registro evidencial forense em forense criminal e no registro da natureza, atividades médicas e de suas finalidades instrucionais.

Estes aspectos levaram à necessidade de organização de grupos de fotografias em coleções ou acervos, para posterior utilização, sem, contudo, utilizar-se de uma metodologia padronizada, ficando a cargo de cada organizador a criação de seu método, da forma mais científica até mesmo a de ausência de qualquer método.

A importância da guarda e da organização de acervos fotográficos se dá em virtude da importância social dada às fotografias, desde seu entendimento como arte, captura de momento e objeto da realidade sentida, passando pelo registro histórico ou evidencial de atividades, até a validade documental de uma fotografia.

Este último aspecto interessa, ou pelo menos deveria interessar à ciência arquivística, motivo pelo qual diversos teóricos têm-se debruçado, procurando criar uma metodologia prática e ampla, de caráter técnico-científico, para cumprir os requisitos arquivísticos de ingresso, organização, guarda, preservação e recuperação de documentos fotográficos.

Imagem 2: Foto abstrata, fotografia como arte.

Fonte: https://dncache-mauganscorp.netdna-ssl.com/thumbseg/1067/1067893-bigthumbnail.jpg

Imagem 3: Foto histórica

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgesVsHo2CBpJKROrnFTEzjMBKZOEd7_uebyWLMddupwmYAjYrRt3LOj3xGJEhr1Os_Aj_yZYicUo2mfE25hBOIBqxPRpeARxEqhfRIQQtYw0CBhlB7NdG7SbJFOfRtduH4-JzesHrbV054/s320/Bauru-Foto3-blog.jpg

Imagem 4: Interesse social pela fotografia

Fonte: http://revista.escaner.cl/files/u1145/FernandoRosa.jpg

Imagem 5: Foto sendo usada como evidência forense

Fonte: http://www.revistacircuito.com/wp-content/uploads/2014/08/CSI_0136.JPG

Imagem 6: Fotografia como registro científico.

Fonte: http://www.icca.org.br/wp-content/uploads/2013/08/pesquisa_cientifica1.jpg


Patrimônio fotográfico é, em última análise, a ideia geral de organização, guarda, preservação e possível divulgação de acervos fotográficos pessoais, profissionais e institucionais e sua importância social, artística, histórica ou documental dos conjuntos de registros fotográficos de um grupo cultural, seja do tamanho que for.

Faz-se importante, então, estudar mais e melhor sua representação no inconsciente coletivo, para valorar e valorizar o patrimônio fotográfico como uma ferramenta social de registro e compreensão de uma realidade local e temporal. Esta compreensão pode evidenciar a necessidade de intervenção de órgãos privados ou públicos, no sentido de fornecer subsídios financeiros, técnicos e humanos para a organização e preservação física e/ou digital, como forma de mudar a aparente falta de interesse governamental sobre o assunto.

Neste momento das atividades e da sociedade humana, a fotografia ascendeu de uma prática profissional ou um tanto restrita a atividades isoladas para o registro cotidiano da sociedade por meio das redes e mídias sociais. Isto pode trazer uma luz ao registro histórico e social deste momento, pois a história continua sendo escrita, mas representa, por outro lado, uma necessidade cada vez mais urgente de controle dos registros considerados importantes, separando-se “o joio do trigo” em termos de essencialidade de registros e também no que tange à conservação. O meio digital oferece recursos mas também exige o avanço sobre novos desafios em termos de preservação e recuperação de imagens, fotografias e documentos fotográficos neste trabalho contínuo de fotodocumentação.

Bibliografia consultada:
  1. PLATÃO, Anon. A república. In: A República. Martin Claret, 2000.
  2. PEIRCE, Charles Sanders et al. La ciencia de la semiótica. Nueva visión, 1974.
  3. JUNG, Carl Gustav. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Editora Vozes Limitada, 2011.
  4. LACERDA, Aline Lopes de. A fotografia nos arquivos: um estudo sobre a produção institucional de documentos fotográficos das atividades da Fundação Rockefeller no Brasil no combate à febre amarela. 2008. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.


Um comentário:

  1. Caro Cleber, seu texto suscita uma série de questões por conta do amplo horizonte que você nos oferece. Uma primeira questão a ser respondida é o que define a fotografia como documento e, consequentemente, qual o significado, ou significados, do signo "documento". Por fim, a bibliografia consultada é inspiradora.

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