Imagens copiadas de O Globo
A pouco tempo fomos surpreendidos com a morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, e fomos por volta de um mês inteiro bombardeados com notícias a respeito. Foi surpreendente notar a necessidade da imagem como fonte de prova com a ansiosa expectativa de se ver o homem morto no papel fotográfico. Enfim... tal imagem não foi divulgada para que pudermos ter matéria prima de um post. Entretanto, a notícia de um jornal em particular chamou a atenção a respeito do "apelo imagético":
Observem a imagem e identifiquem o que tem de diferente entre a fotografia mais acima e a que aparece no jornal. Não reparou diferença? No que foi publicado no jornal não aparecem a Secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton e nem Audrey Tomason, ao fundo, assessora de contraterrorismo na Casa Branca. Enfim.. Trata-se de um jornal ultraortodoxo judaico, o Der Zeitung - que pela sua orientação religiosa - considera inapropriado que haja divulgação de imagem de mulher.
O que vem ao caso aqui não é o discurso religioso, mas que implicações este fato curioso pode ter quanto a maneira que a imagem é compreendida na sociedade, bem como a capacidade desse jornal de transpassar a veracidade de documentos imagéticos.
"A experiência recriativa de uma obra de arte depende, portanto, não apenas da sensibilidade natural e do preparo visual do espectador, mas também de sua bagagem cultural."(PANOFSKY, 1991, p.39.)
Fazendo-se um entendimento análogo entre "obra de arte" e fotografia - por ambas tratarem de experiências imagéticas - Panofsky sugere que a compreensão da imagem encontra limite nos nossos valores culturais. Entretanto, armados do aparato tecnológico, esse jornal simplesmente suprimiu aquilo que é culturalmente "incompreensível" (ou inaceitável) em uma imagem jornalística: a figura feminina.
É óbvio que isto resulta em grandes perdas quanto a veracidade da imagem enquanto documento, conseqüentemente, também não se compreende o sentido total da imagem seja em sua análise formal pura, seja na atribuição de sentido as expressões nela captadas; embora esta última análise também se limite a valores culturais. Quanto a forma pura da imagem, diríamos sobre Hilary Clinton que se trata de uma mulher loira de meia idade... depois falaríamos das outras 12 pessoas, dos equipamentos, sem sair deste nível de detalhamento. Quanto à atribuição de sentido poderíamos dizer quem são as pessoas, que supostamente demonstram um estado de atenção e preocupação e Hilary Clinton (se não estiver bocejando disfarçadamente) é a principal figura na imagem a evidenciar tal prontidão.
"Existem duas coisas, portanto, que nos devemos perguntar sempre se acharmos falhas na exatidão de um quadro. Uma é se o artista não teria suas razões para mudar a aparência daquilo que viu. [...] A outra é que nunca deveríamos condenar uma obra por estar incorretamente desenhada, a menos que tenhamos a profunda convicção de estarmos certos e o pintor errado."(GOMBRICH, 2000, p. 18.)
Mantendo a mesma analogia na relação "quadro"-fotografia, pelo mesmo motivo defendido por Gombrich, poderíamos contrapor qualquer acusação que se pudesse contra esse jornal, a não ser que tivéssemos absoluta certeza que o Deus desses judeus não se incomodaria que mulheres fossem fotografadas (ou ainda, que tal Deus não exista).
Certo... talvez não possamos discutir o mérito da imagem modificada, mas não nos é proibido debater as implicações que tal fato tem para a sua compreensão, pois esta discussão existe porque nossa abordagem sobre a fotografia mescla arte, técnica, e organicidade arquivística. Mas até que ponto a compreensão dos três pode (deve) ser misturada?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente & Argumente