domingo, 9 de janeiro de 2011

Espaços de imagens

Excertos de beijos cortados na trama de Cinema Paridiso

Alguém consegue imaginar o que seria, nos dias de hoje ficar sem acesso à Internet, sem poder buscar imagens ali? Tudo bem, há ainda opções nos arquivos da HD do computador doméstico, no pendrive, no celular etc. Antes da portabilização e da subsequente virtualização das imagens a experiência da fruição visual (e audiovisual) sempre se dava nos locais públicos: galerias de arte, museus e cinemas, além de exposições públicas, audições, apresentações etc. Outra diferença é que, necessariamente, as pessoas tinham que se deslocarem para tal experiência. Com o advento da televisão a necessidade de deslocamento e a coletivização da experiência foram reduzidas. Porém a TV, superando o pessimismo da época de sua popularização, não matou nem o teatro e nem o cinema. Porque? Porque referem-se a experimentações e  a necessidades distintas. 

Hoje muitas pessoas conseguem ver a "Monalisa" sem sair de casa. Dizem que o que se vê no Louvre (quando se vê devido à fila) é apenas uma reprodução e que alguns estudiosos da obra tem feito descobertas muito interessantes através de observação remota, de cópias digitalizadas (ver notícia aqui). Nem por isso o Louvre vai deixar de ser o museu mais visitado do mundo. Alguém consegue imaginar, em sã consciência,   que o Louvre, por economia, ou por melhor aproveitamento de espaço imobiliário, poderia algum dia deixar de ser um (ou melhor, "o") museu? Tecnicamente a coisa não seria complicada. Bastaria transferir todo o acervo para um galpão novo (com condições técnicas de preservação modernas e ideais) em uma área menos valorizada nos subúrbios de Paris ou mesmo no interior da França e disponiblizar o acesso a todo o acervo virtualmente. Já imaginaram quanto não valeria, só o seu terreno em Paris, para a construção de apartamentos de luxo? Ou, quem sabe, arrendar o edifício para um super shopping center, com cinemas e terminais para acesso virtual ao "novo" Louvre?

Picasso antes de morrer exigiu em seu testamento que seu quadro mais importante, "Guernica", só pudesse retornar à Espanha depois da morte do general franscisco franco [minúsculas intencioinais]. Sua obra já era reproduzida pelos quatro cantos do planeta desde antes da revolução tecnológica da informática. Cópias dela estão, em diferentes tamanhos formatos e tamanhos; pôsteres, painéis, camisetas etc. Mesmo assim a experiência de poder vê-la, frente a frente, no museu Reina Sofia, em Madrid, é extasiante. O "Grito do Ipiranga", de Pedro Américo está exaustivamente reproduzido em pelo menos 90% dos livros didáticos que tratam do episódio. Mesmo assim, todos os anos, milhares de alunos das escolas públicas de São Paulo vão ao Museu do Ipiranga para, in loco, fruir a obra de arte. O dia mais concorrido? Obviamente, 7 de setembro.

Do mesmo modo que o absurdo pesadelo pensado para o Louvre jamais se concretizaria, não dá para crer verossímil a desocupação do edifício do Reina Sofia, sob um possível pretexto de que já existem milhares de cópias de "Guernica" espalhadas por aí. Tampouco poder-se-ia imaginar a ocupação do prédio do Museu do Ipiranga para qualquer outra finalidade. Quem sabe poderia ser usado como uma escola, conforme era seu projeto original, ou como sede da Prefeitura de São Paulo, que passaria a ter um edifício mais imponente do que o Palácio dos Bandeirantes. Justificativas não faltariam, como, por exemplo, o fato de a obra de Pedro Américo já ter sido demasiadamente utilizada pelos livros didáticos e excessivamente difundida na época da Ditadura (até no filme com o Tarcísio Meira). Afinal, quem se dispõe a reescrever Monteiro Lobato, porque ele seria racista (ou contra as cotas raciais nas universidades?) pode muito bem esvaziar o peso e a importância de um Pedro Américo ou pensar em especulação imobiliária com o edifício do Museu Paulista.

Se as três situações acima parecem absurdas é porque nossa cultura e nossa sociedade valoriza não apenas as obras de fruição cultural, como também o espaço de tais obras. Edifícios famosos do mundo todo, mesmo sem espetáculo algum são sempre visitados. Tanto o Carnegie Hall nos USA, como o Teatro Colón na Argentina não são primores arquitetônicos e nem sempre têm grandes obras em cartaz, mesmo assim são visitados e constituem parte da memória urbana, não pela atuação que têm hoje, mas pelo o que representaram desde o passado. O Coliseum deveria ter um tratamento similar ao que se dá hoje para o Museu do Appartheid ou para o campo de Auschwitz: local de dor sofrimento e matança. Mesmo assim é parte fundamental do patrimônio histórico e cultural de toda a civilização romano-cristã.

A história do cinema de arte no Brasil, começou em São Paulo no Cine Belas Artes. O edifício chegou a abrigar, no auge, seis salas de exibição e foi o responsável pelo lançamento da maioria dos grande filmes não-holywoodianos no Brasil até a década de 1980. Pegou fogo, passou por reformas e continuou. O Cine Belas Artes tem para a história da divulgação do cinema de arte no Brasil (guardadas as devidas proporções) a mesma envergadura que, para as belas artes, um Louvre; para o acervo de Picasso, um Reina Sofia; ou, para a história do Brasil, um Museu do Ipiranga. Infelizmente, a situação atual do cinema faz com que as hipóteses aventadas para a eliminação dos três museus estejam longe de serem despropositadas. Após 68 anos, devido a questões de cunho imobiliário, o cinema deverá fechar suas portas até o final de janeiro de 2011. 

Assim como esse blog, muito cineastas e personalidades estão se mobilizando. 

Existe, entre outras coisas, um abaixo assinado. Quem tiver interesse pode acessá-lo aqui. Ainda dá tempo. Quem sabe podemos utilizar o poder das ferramentas virtuais a nosso favor. Obama conseguiu. Assine aqui!


Acesse aqui o blog "oficial" do movimento pela manutenção do desse cinema: "Eu quero Cine Belas Artes aqui!"

Acesse aqui coluna de Carlos Reicheinbach, cineasta, pedindo tombamento do Cine Belas Artes.

Para conhecer um pouco mais sobre a história do cinema de arte em São Paulo, baixe aqui publicação sobre seu criador.

Acesse aqui programa de 2003 em homenagem ao cinema de arte de São Paulo. Por ele é possível ter uma idéia da magnitude dos filmes exibidos no Belas Artes.

Baixe aqui cartaz de divulgação daquele ciclo.

Não esqueça de continuar essa corrente.

4 comentários:

  1. Olá, André. Como vai? Magnífico o seu post sobre o Cine Belas Artes. Quem (como nós) viveu em São Paulo e usufruiu (e fruiu)da magnitude daquele espaço sabe o valor desse seu apelo. Como membro do Conselho de Cultura de Maringá divulgarei seu blog por aqui e, com certeza, o Paulo Campagnolo (lembra dele?), organizador e programador do Projeto Um Outro Olhar (cinema de arte em Maringá) passará adiante esse post. Grande abraço a você, Darcilene, Yuri e todos leitores do Blog. Vilma Fonseca - Maringá -PR.

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  2. Vilma,

    Saudades de outros olhares, que transcendem a típica mediocridade também. Abraços para todos vocês.

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  3. Este post foi replicado pelo blog "Eu quero Cine Belas Artes AQUI!"

    Obrigado Carol e Eduardo.

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  4. Um colega está fazendo uma Guerrilha rápida, no facebook: trocar sua foto do perfil por uma de algum ator ou atriz de cinema, em prol do tombamento do Cine Belas-Artes. "Se gostar da ideia, espalhe o pólen."

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