quinta-feira, 28 de março de 2019

Cajas chinas. La foto dentro de la foto o la foto como cosa.

De la misma manera que el niño agrupa por primera vez sus miembros al mirarse en un espejo,
nosotros oponemos a la descomposición de la muerte la recomposición por la imagen. 
               Régis Debray

Por Rafael Dias da Silva


O artigo trata de uma série de fotos, tiradas de parentes posando ao lado da foto do falecido, durante o luto pelo ente querido. Esse retrato, em geral, foi tirado em vida e compõe a foto principal como se ele estivesse lá com sua família.

Este uso interessante e precoce da fotografia dentro da fotografia, com forte proximidade, em um primeiro plano, dos laços familiares, modelará um formato cujos ecos podem ser encontrados em algumas escolhas estéticas atuais.

Para ilustrar esse ponto, são analisadas duas séries de fotografias tiradas pelos artistas Inés Ulanovsky e Julio Pantoja, que além de “dialogar com a herança da foto da pessoa desaparecida”, armam visualmente uma cena que não é estranha ao gênero iniciado por essas imagens de famílias segurando as imagens do ausente.

O retrato fotográfico e morte

Devido ao alto custo das primeiras fotos e à frequência incomum do evento, muitas vezes um membro da família (especialmente um bebê ou uma criança) acabava morrendo sem ser retratado. A última oportunidade para fazê-lo era durante as primeiras horas após a morte, dentro de um gênero preciso e muito usual na época: o retrato fotográfico de defunto.

Na segunda metade do século XIX ocorreu a produção de uma enorme quantidade de imagens dos mortos. Essas eram as últimas memórias de pessoas que não dinheiro para fazer retratos pintados de seus entes queridos. Frequentemente, os mortos eram acomodados sentados ou deitados, como se estivessem dormindo. Para as crianças, em particular, eram vestidas como anjinhos para a ocasião. As imagens faziam parte do cotidiano: as imagens eram exibidas em residências, mantidas em álbuns de família e enviadas para os familiares. Desta forma, se tentava capturar a presença de uma pessoa para a memória. Hoje em dia, tirar, possuir, ou pior, exibir imagens de cadáveres ou vigílias de parentes é considerado algo perverso, macabro, vergonhoso no ambiente familiar.

Na foto acima há duas pessoas sentadas: uma mulher idosa de luto (a avó) sentada ao lado de um homem (o pai). Atrás deles há duas mulheres de pé - uma delas (a mãe) de luto e uma criança. Ao lado deste conjunto, você pode ver uma cadeirinha infantil decorada com flores e com uma fotografia no encosto. Lá é possível ver a mãe com a criança morta. Esta foto mostra a 'fé da realidade' depositada na técnica fotográfica, uma vez que não basta mostrar o retrato da criança, mas sim colocar o retrato na mesma cadeira que a criança sentava, ilustrando a verdadeira e real continuidade entre a fotografia e corpo ausente.

As fotos de Ulanovsky

A série de Inés Ulanovsky, Fotos Tuyas, trata da relação das famílias dos desaparecidos com as fotos dos ausentes. Que fotos eles guardam, como os mantêm, como eles posam ao lado delas e outras questões, divididas em nove seções - com nove grupos familiares - cada um precedido por uma pequena nota manuscrita de um dos retratados.

Nessas fotos podemos observar o emprego de alguns "jogos de caixas chinesas". Por exemplo, abaixo é possível observar uma foto de uma foto (em preto e branco) de um jovem com as mãos nos bolsos. Em seguida, essa mesma foto é vista nas mãos de uma mulher, que poderia ser sua irmã ou esposa, e por último, pendurado em uma corda por cima das cabeças do que parece ser de sua mãe ou tia. A visão da foto sozinha e depois a foto nas mãos de outros reforçam a ausência e o vínculo (claramente essas mulheres são da família do desaparecido).




As fotos de Julio Pantoja.

A série de Julio Pantoja, Los hijos, Tucumán veinte años después (1996 - 2001), está composta por retratos de filhos desaparecidos tucumanos. Trata-se de 38 jovens que olham fixamente para a câmera, em quase todos os casos. Dos 38, 12 optaram por realizar uma ou mais fotografias de seu pai ou mãe desaparecidos, muitas vezes ao lado de si mesmos como bebês. 


Os jogos de caixas chinesas podem também ser vistos na foto tripla acima demonstrada. Nota-se uma jovem que está segurando duas fotos. Em uma delas observa-se um casal segurando um bebê, no outro (de tamanho maior) uma menina pequena mostra a imagem do casal com o bebê. Claramente, é sobre seus pais e ela, e esta segunda foto adiciona um efeito da ausência: transforma aquela menina em filha, demostrando um tipo de foto de "filho de pessoa desaparecida com foto da(s) pessoa(s) ausente(s) na mão" e evidenciando a falta ao longo do tempo de uma vida.

Antes e depois

Ao se traçar uma linha - desnecessariamente sinuosa - de continuidades e rupturas entre as fotos antigas e os retratos de parentes de argentinos desaparecidos, são encontrados alguns pontos interessantes.

A princípio, os jogos temporários que propiciam essas imagens são notáveis. Fotografar uma fotografia aumenta o tempo adequado da imagem - assim como o passado encontra o presente - um outro tempo passado (um ou vários) e cria um efeito cascata. No entanto, o passado anterior demonstrado pela foto dentro da foto difere em ambos casos. 

Nos daguerreótipos, a morte do membro da família aconteceu há pouco tempo e a foto substitui de certa forma o corpo do falecido. Isto é reforçado pelas regras mais rígidas do género 'foto de família' (lugares pré-estabelecidos, poses, etc.) e por uma forte idéia de família tradicional (completa, patriarcal, estrutura fechada e durável ao longo do tempo).



Referências

Fortuny, N. (2011). Cajas chinas: la foto dentro de la foto o la foto como cosa. Revista Chilena de Antropología Visual, 1, (17), 44-71.

5 comentários:

  1. Como podemos observar no artigo, as fotos também demonstram os retratos informais e ritualizados da vida cotidiana (no casos destas famílias, uma memória em imagens que tem um buraco).

    Nesses casos, quais fotos estão faltando?

    E quem está faltando em cada foto?

    As fotos, nesses casos, tentam reconstruir uma história familiar impossível, em um jogo duplo e com fotos multiplicadas (Cajas Chinas).

    Nessas imagens, claramente demonstradas pelas dimensões da estética e da política, a foto corporal não substitui o corpo porque não há corpo morto.

    É por isso que não se trata de epitáfios familiares, mas de relações que envolvem os presentes, desde o presente, com a memória da vida do ausente materializado em suas fotografias e com sua ausência.

    Qual é a sua opinião?

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  2. A fotografia sempre diz sobre alguma coisa(ou alguém) que não está na foto...Belo texto!

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  3. Esse texto é muito interessante para a discussão de funções e contextos. A priori, uma fotografia é tomada como uma forma de registro daquele momento e torna-se uma fonte de recordação. Mas, a partir do momento em que as pessoas que estão nessa foto foram desaparecidas, há uma refuncionalização e a fotografia passa a se tornar fonte de prova. Isso é, a foto se torna uma prova de vida para o movimento de desaparecimentos políticos, é uma tentativa de quebrar com a invisibilidade daquelas pessoas, por exemplo. Quando essa mesma fotografia é utilizada em outra, como o texto aborda, fenômeno chamado de metaimagem - uma imagem dentro de outra, ou a imagem de uma imagem, ela acaba fazendo parte de outro contexto e adquirindo outra função.

    Essas questões de função e contexto estão diretamente relacionadas com o meu projeto no mestrado, no qual eu vou identificar os contextos e funções presentes nas fotografias de eventos de dança.

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  4. Ausências inesperadas nunca são bem-vindas, principalmente quando se percebe inexistência de registros desse ente querido junto aos seus.

    O artifício relatado no artigo utilizado por próximos aos falecidos ou desaparecidos geram evidências das suas existências, trazendo-os novamente ao meio dos “vivos”, unindo-os por meio das “metaimagens” nos “jogos de caixas chinesas”.

    Esse enquadramento hoje pode ser ultrapassado pelo uso da tecnologia, a exemplo do Adobe Photoshop®, mas perder-se-ia o poder de temporariedade, evidente nas imagens apresentadas.

    Assim, o registro fotográfico torna-se transcendente ao momento do registro, vivificando-se a partir de nova publicação.

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  5. No texto, a autora nos diz que a fotografia é a técnica artística que levou ao topo a vontade antiga de representar o ausente. Como eu trabalho em um Museu de Anatomia, acabei lembrando das técnicas de conservação de cadáveres. Lembrei do caso da Rosália Lombardo, uma criança de 2 anos que faleceu de pneumonia, em Palermo, Itália, em 1920. Hoje o corpo da menina fica exposto, dentro de um pequeno caixão com tampa de vidro, mas à época de sua mumificação era intenção de sua família preservar a existência daquela criança por meio da manutenção de seu corpo. Isso é interessante por a intenção se parece, em alguns aspectos, com a dos familiares que usam os daguerreótipos para relembrar a presença de seus entes ausentes, apesar de se tratar de suportes diferentes.

    Na foto você preserva um momento em duas dimensões, e na conservação do corpo você preserva o cadáver. Então a diferença entre a preservação do cadáver e a fotografia está, dentre outros aspectos, no fato de que para a foto o mais importante é o registro do momento, e não o cadáver em si.

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