segunda-feira, 14 de maio de 2012

Semelhanças de estilo e organização da informação

 
              foto 1: copiada de Library of Congress;                          foto 2: copiada de Digifotoweb

Ao olhar atentamente para as imagens acima é possível notar alguma equivalência na composição: um elemento no primeiro plano que tem a orla do mar e o horizonte como pano de fundo, criando uma certa ambiguidade quanto ao tema principal que pode ser tanto o mar como a canoa ou o cão. Águas calmas e céu enevoado com luminosidade difusa também são elementos comuns em ambas imagens. 

Não é necessário ser especialista em história da fotografia - e nem ter acesso aos documentos físicos originais - para compreender que as semelhanças param por aí e que há uma distância de cerca de 100 anos entre os dois registros fotográficos. O hábito de retratar orlas marinhas, no entanto, é anterior à própria invenção da fotografia e cria um estilo pictórico que sobrevive ainda hoje. Panofsky, entre outros estudiosos trabalharam com muito mais profundidade essa questão e ela não está no foco da análise atual. 

A organização de coleções fotográficas, como é tradicional - e até mesmo esperado - buscará dar a ambas as fotos o mesmo tratamento informacional; isto é: criar pontos de acesso à informação por autoria (fotógrafo), data, assunto, técnica e coleção. No primeiro caso, como se trata de instituição bem estruturada e com recursos, além dos mencionados pontos de acesso a informação está sistematizada em uma ficha no formato MARC. O segundo caso, com recursos adequados, também poderia ter o mesmo tratamento. 

Somente quem tiver uma perspectiva arquivística saberá que essas outras equivalências também param por aí e que o conhecimento detalhado e preciso de todas as informações mencionadas acima é insuficiente para a compreensão de tais registros como resultantes de atividades de um titular e preservados como provas desse mesmo titular. 

No primeiro caso, a ficha catalográfica da Library of Congress é incapaz de indicar os objetivos que levaram Arnold Genthe a fotografar aquela cena e tampouco os motivos que o fizeram querer guardar documento(s) resultante(s) de tal ato. Assumimos que sempre se tratou de uma tomada estética e que sua preservação relaciona-se à preservação de um objeto de arte. 

No segundo caso há, como conheço pessoalmente o fotógrafo pode-se imaginar que tais informações estão mais bem sistematizadas; ledo engano: apenas posso supor que Niraldo Nascimento produziu a imagem em uma atividade de lazer e a preservou (do ponto de vista arquivístico) como registro de um passeio a Marataízes, mas não posso afirmar isso com certeza e tampouco sei se é plausível entender que o documento original seja realmente arquivístico.

A diferença fundamental não está no conteúdo, no histórico e nem no tratamento dado ao documento original. O exemplo em questão traz ainda outra particularidade, que é a reciclagem de uma mesma informação, produzindo outro documento. A foto 2, nessa acepção, não deve ser entendida como uma foto da coleção/arquivo de Niraldo Nascimento, porém como parte da informação do próprio Digifotoweb, posto que ela é integrante de um texto publicado neste blog (e agora é integrante de dois textos). Essa perspectiva muda absolutamente tudo: não se trata mais da foto de Nascimento, o documento a ser organizado e descrito é o post. Arquivisticamente ele é parte do projeto Digifotoweb e está relacionado à função de promoção de esforços para consolidação de redes de pesquisa relacionadas aos acervos fotográficos. A autoria da informação imagética e os direitos quanto à imagem permanecem inalienáveis com  Niraldo Nascimento, mas o post, ainda que escrito também, pelo mesmo autor da fotografia, é produto do Digifotoweb. Ele é também, sob a ótica de quem o escreveu, ao mesmo tempo, produção intelectual e registros dessa mesma produção (pode até ser elencado no Lattes). 

Esse post atual, que traz a reprodução das fotos de Genthe e de Nascimento, mesmo sem ter os direitos autorais delas, deve ser entendido como resultado do projeto Digifotoweb, não sendo arquivisticamente adequado desmembrar partes de um documento (o post) em função dos elementos imagéticos constituintes.

Fica ainda repassada a dica do Prof. Murilo Bastos, que impulsionou essa reflexão: a Library of Congress mantém disponível a maior parte da coleção fotográfica de Arnold Genthe. São cerca de 16.000 imagens, de um total de 20.000, sendo que muitas delas podem ser baixadas gratuitamente: http://www.loc.gov/pictures/
collection/agc

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